04 janeiro 2012

Kapalasana


Postura do Crânio
[kapAlAsana]
de Flavia Venturoli Miranda
2008

 kapala [kapAla] – crânio, vaso de oferenda
Crânio
modelagem de Aline Leles
Kapala, vaso de oferenda
 O crânio, na maioria das culturas, representa a morte, o fim da existência corpórea. A inexorabilidade da morte é fator de medo, angustia e reflexões. Não à-toa Shakespeare filosofa em Hamlet que segura um crânio e diz: “To be or not to be. That is the question.” 
Hamlet: To be or not to be.
Na Índia, os kapalikas [kApAlika], uma seita ascética tântrica [tAntrika], cultuam Shiva Kapali [shiva kapAli] como o transformador radical de morte e renascimento. Suas práticas de tapas [tapas] são bastante radicais e visam lidar com equanimidade as abjeções da manifestação, por isso, as vezes, moram e meditam em cemitérios. Não raramente usam crânios como suporte para seus alimentos. Assim como faziam os vikings, ao usarem como canecas.
Kapalika - Aghor

O crânio como receptáculo do encéfalo, também remete a morada da mente, do intelecto e da noção de eu, o que no Samkhya [sAMkhya] é chamado de órgãos internos, antahkarana [antaHkaraNa]. A deusa Kali [kAlI] usa uma girlanda de cabeças, ou de crânios que representam as ignorâncias estirpadas.
Kali e seu kapalamala
Antropologicamente, há quem diga que o fato de evoluirmos de quadrúpede para bípede, elevou nossa cabeça a um outro plano de percepção. Que as necessidades das savanas, nos obrigaram a olhar mais longe, culminando na escolha dos mais aptos para a sobrevivência nessa nova realidade. Esse mudança estrutural do corpo, permitiu um aumento da capacidade encefálica, possibilitou uma nova acomodação das cordas vocais (permitindo a linguagem falada), e principalmente libertou, nossas principias ferramentas de linguagem e de transformação do mundo, as mãos. 

 A posição privilegiada do encéfalo e o aumento do intelecto, tornou, contudo, a espécie mais prepotente. Costumamos dizer que “o sucesso subiu pra cabeça”, que fulano “está com a cabeça erguida”, que sicrano “não abaixa a crista por nada”. 

namaskara

O ato de curvar-se em saudação, namaskara [namaskAra], é um ato de humildade. A postura, cujo crânio toca o solo, é um treino de humildade, de diminuição da arrogância intelectual. O altivo crânio toca o mundano chão. Isso o põe numa dimensão mais humana e temporal, o que leva (a meu ver) a reflexão sobre a duração da existência, por isso é comum também o medo nessa postura. 
Ser humilde e mortal provoca medo e é um bom trabalho buscar o equilíbrio para ambos, a kapalasana pode ser uma opção para esse trabalho. 


 
 Importante:
Segundo Desikachar, é essencial que o yoga seja adaptado a cada um, viniyoga
(yoga sUtra III.6). Para isso é importante, que para essa postura, que lida com aflições primordiais como medo da morte, abhinivesha [abhinivesha] (yoga sUtra II.9), seja respeitado não só a preparação física de fortalecimento de músculos, mas também a preparação psicológica para alcançar tal postura. 

Variações:
Iyengar chama essa postura de shalambashirshasana
II [sAlamba shIrSAsana] – a postura do suporte sobre a cabeça e faz parte de um ciclo de posturas com o apoio sobre a cabeça, com inúmeras variações.

Na tradição do Yoga Narayana, costumamos treinar primeiramente com a postura chamada de delfim onde a posição da cabeça e das mãos são as mesmas dessa versão, mas não se retira o pés do solo. Apenas, se caminha em direção a cabeça, se retifica a coluna e assim se permanece. Depois se pode treinar próximo a parede para ganhar confiança, que na hora do equilíbrio serve de apoio. Há também a versão da kapalasana, cujo joelhos se apóiam sobre os braços, quando essa está dominada, completa-se a postura elevando as pernas. 

Conforme a tradição, apóia-se a mão de uma maneira: uns deixam mãos de forma que os dedos apontam para a cabeça, outros são os punhos que apontam para cabeça, outros ainda os punhos apontam para cabeça mas as mãos são voltadas para fora. 
 
Fonte: salambashirshasana [sAlamba shIrSAsana]
- Light on Yoga – B.K.S. Iyengar
- Coração do Yoga – T.K.V. Desikachar – Jaboticaba Fonte histórica:

Segundo a Encyclopaedia of Tradicional Asanas – Dr. M. L. Gharote – Lonavla, kapalasana
[kapalAsana] com as pernas elevadas e kuhi asana [kuhI Asana], cujas canelas os apóiam ao longo dos braços, aparecem num manuscrito do haThapradIpikA ou siddhAnta muktAvalI II.158 e II.129 respectivamente