por Flávia Venturoli de Miranda
‘A profunda nostalgia do homem religioso
é habitar um “mundo divino”,
ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”...’[i]
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Shri Yantra |
Yantra [ ] é um tema complexo pela variedade de maneiras e situações em que é usado. Há quem diga que yantra é formado por
yam = segurar, reter (como em yama = conter-se) +
tra = proteger, instrumento
Gosto de traduzir como
Yantra é a maquininha que contém a mente e a protege.
Yantra-s são instrumentos, aparatos, máquinas, engenhos de meditação, culto, proteção, magia, alquimia e tecnologia. Podem ser desenhos, símbolos, diagramas, cosmogramas (de devoção, que representam uma divindade), dispositivos, objetos (de alquimia, amuletos), instrumentos (cirúrgicos), máquinas (maquina voadora, robô) e construções (templos).
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Yantra para o Bem Estar das Crianças |
O yantra atua no mundo das formas {rUpa} e tem sua contrapartida nominal {nAma} como mantra. O yantra é a representação visual do mantra e o mantra vivifica o yantra. O mundo é a manifestação da divindade, Brahman Saguna [brahman saguNa]. Assim como se diz da luz, que é tanto onda como partícula, essa manifestação assume um nome e uma forma. O par nama/rupa é recorrente no tantrismo.
Nama surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna [brahman nirguNa], primeiramente como vibração primordial {spanda}, que, quando tangível, é percebida como Om, o pranava [praNava].
Desse som primordial deriva todos os sons, que formam palavras, que são percebidas como coisas, que recebem nomes que as identificam.
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Om e todas letras sânscritas |
Rupa, por sua vez, surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como uma marca virtual {bindu avyakta}, que quando tangível, é percebido como ponto {bindu vyakta}.
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Brahman como ponto |
Dessa marca virtual deriva tudo o que tem forma, que é percebido como objeto, que recebe nome que os identifica. Em outras palavras, tudo o que tem nome, tem forma, isto é, na forma contém seu próprio nome e propósito {artha}. Assim a significação mental divina dá forma aos nomes, e nomeia as formas manifestadas. Com o nomes e formas, o mundo é criado.
Assim o par mantra/yantra faz parte de muitos rituais místicos, religiosos e simbólicos mundo a fora. Do profano ao sagrado, o som e a forma, andam juntos, interagem, se completam e se destroem.
Há a grafia musical (com notas, ritmos, escalas),
há os pontos e cantos do candomblé,
há outros símbolos religiosos:
Judaíco
Islmânico
Cristão
como a Cruz, que está associada com a imagem de Cristo e ao Pai Nosso,
há as ciências com demonstrações gráficas das ondas de luz e de sons,
ou mesmo a demonstração física de formas criadas por um líquido ou pó sobre um alto-falante com diferentes sons (veja vídeo),
há ressonâncias capazes de destruir uma ponte,
há ultrassons que permitem observar órgão internos e fetos (veja vídeo).
Para nós, ocidentais, os mantras são mais conhecidos, porém a sabedoria dos yantra-s, como ferramenta de autoconhecimento, é praticamente ignorada. O que há, é o conhecimento estético das mandalas [maNDala]
e suas aplicações terapêuticas na psicologia, graças ao Jung (verdade dita seja). Porém mandalas são apenas uma parte do universo dos yantra-s.
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Simbolismo da Mandala
Carl Jung |
Nos yantra-s usa-se a energia da forma para a contemplação, meditação, proteção e aplicação. Cada forma invoca uma energia específica que produz uma reação na mente do observador. Brincamos de desenhar yantra-s e mandalas, mas a realidade é que para essa energia criativa já fórmulas prescritas de execução e contemplação. Além do que, todos os tipos de expressões formais e dimensionais podem ser aplicados nos yantra-s. Tentarei explicar em textos futuros os vários tipos de yantra-s.
Antes de escrever sobre os vários tipos de yantra-s e aplicações, alguns conceitos de espaço sagrado são importantes para o entendimento da simbologia dos yantra-s, e para desfrutarmelhor dessa sabedoria.
Espaço Sagrado
O espaço sacralizado é o lugar do rito, do mito, do mundo conhecido, de segurança, de um grupo e do indivíduo. Para Eliade [ii], há uma ruptura no espaço (e no tempo) quando se entra no domínio do sagrado. A mesma terra que pisamos, quando consagrada muda sua dimensão simbólica e qualitativa, por agregar o poder do divino (do mito). Por isso, mesmo um pequeno lugar sagrado (diminuto até) pode representar todo um universo, em suas várias dimensões. O espaço sagrado traz ordem ao caos, orienta, norteia, dá direção e sentido.
O Centro O que antecede ao surgimento do mundo (mitológico ou real) é o obscuro, o desconhecido, a água insondável primordial, as trevas, o inominável e amorfo. A instalação do sagrado no espaço organiza o caos e seu centro estabelece orientação. No espaço sagrado, o centro é a fundação do mundo. Uma frase do Mircea Eliade que gosto muito é: ‘“Nosso mundo” situa-se sempre no centro’ [iii], em outras palavras o espaço sagrado é o nosso domínio.
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planta de Stonehenge |
O centro é o vínculo, na terra, do início da manifestação divina. Esse local de criação divina é absoluto, fixado como referência do centro do mundo sagrado para a periferia profana. É a singularidade de onde a complexidade deriva. Assim, o centro é o primeiro elemento importante na geometria sagrada. O centro sagrado num espaço plano é o ponto. O ponto sagrado toma forma de pedra, grão, lugar, ovo, semente. Quando a sacralização passa ao espaço corpóreo, o ponto é o umbigo, o coração, o chakra [cakra], marma [ ], sthana [ ], granthi [ ] etc.
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Corpo é o Templo |
O Eixo
Quando o centro do sagrado passa a ter 2 pontos, formando um linha, essa ligação cria o eixo central. O eixo conecta a terra com o céu, axis mundi [1]. Através do eixo se estabelece a comunicação com a divindade, é o fio condutor das súplicas e de recebimento das dádivas, além de também sustentar e alicerçar o Céu (a morada divina). O eixo sagrado toma forma de fio, pilar, poste, árvore, montanha, escada, etc. Já o eixo corpóreo por excelência é a coluna vertebral e, no plano sutil, a sushumna nadi [suSumnA nADI].
O Centro Expandido, o Plano
O centro é a forte fonte do poder divino que ao expandir se multiplica, deriva, varia, diversifica, porém perde potência. O axis mundi irradia seu poder em todas as direções e estabelece uma área sagrada, constituindo objetos, seres, corpos, terrenos, templos, casas, cidades, países, mundos, submundos, cosmo. O imago mundi [2] é tanto o macro como o microcosmo. O universo é o macrocosmo, mas relativamente também é o país, a cidade, o templo. O microcosmo é o próprio corpo, mas também o é o grupo familiar, o clã, a comunidade.
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Olho de Deus,
nome popular da nebulosa Helix |
Às vezes, o centro expandido ganha contornos simbólicos bem definidos como o da árvore da vida, a vaca sagrada , o ovo dourado {hiraNyagarbha}, o homem cósmico {puruSa}, etc.
Deste modo, o cosmo se personifica e pode ser identificado em uma divindade: Jesus, Nossa Senhora, São Francisco, Zeus, Afrodite, Shiva, Vishnu, Hanuman, Kali [shiva, viSNu, hanuman, kAlI], etc.
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Nascimento da Vênus, detalhe
Sandro Botticelli |
Todos esses centros expandidos são os palcos onde a vida se dá. Somos o atman[3] [Atman] dentro do Paramatman [paramAtman]. O cosmo é o grande jogo divino, mahalila [mahAlIlA], é [
onde os desfrutes {bhoga} são vividos.
Somos o atman, a centelha divina imóvel, no centro da roda do samsara [saMsAra], nos seus ciclos de nascimento-vida-morte-renascimento, de onde o yogi [yogI] busca libertar-se {mokSa}.
“É um yantra, que o devoto deve permitir que se revele á sua visão interior, para então concentra-se nele. Deve ser inspirado por seus aspectos significativos e perceber que estes desvelam a essência secreta, a verdade, a realidade esotérica da natureza do universo e do seu próprio ser.” Zimmer [iv]
PS: Em futuros textos explicarei as tipos de yantra-s (incluindo as mandalas) e suas aplicações, as formas geométricas e suas simbologias.
Saiba mais sobre outros Yantras
Bibliografia
CRISTESCU, Horia e BOZARU, Dan. Introduction to Yantra, in http://sivasakti.net/articles/intro-yantra.html em 22/08/2010
MAGEE, Mike, tradução. Yantra and Pranapratishta, in http://www.shivashakti.com/yantra.htm, em 22/08/2010
[i] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, pg 61, São Paulo: Martins Fontes, 2008. [iv] ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia, 3ª reimpres, pg 161. Palas Athena, 2002.