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26 dezembro 2019

Mundaka Upanishad II.2.1 e 2

tradução de Carlos Alberto Tinoco

"Este Brahman é puro brilho, residindo na cavidade do coração. Ele é o grande suporte de todas as coisas. Nele estão concentradas todas as coisas moventes. O discípulo que O conhece em seu Ser percebe que Ele é o grosseiro e o sutil, é o adorável, o supremo, situado além do entendimento das criaturas."

"Aquele que é radiante, sutil dentre os sutis. Aquele pelo qual os mundos e seus habitantes são suportados, Aquele, verdadeiramente, é o indestrutível Brahman; Aquele é o Prana, a fala e a mente. Aquele é a verdade, Aquele é o imortal. Ele pode ser conhecido pela mente. Concentre sua mente em Brahman, meu amigo"


Tinoco, Carlos Alberto.As Upanishads. São Paulo, 1996. Ibrasa.




08 fevereiro 2012

Mundaka Upanishad

[muNDaka upaniSad]
II.ii.3 e 4

Segurando o arco, 
a grande arma nas Upanishads [upaniSad],
a pessoa deve colocar nele uma fecha afiada com meditação. 
Preparar a corda e atingir o alvo que é Brahman [ ] com a mente absorta nele.

O Om
[OM] é o arco, 
Atman [Atman] é a fecha, e  
Brahman é seu alvo. 
Ele é atingido pela pessoa correta. 
A pessoa deve tornar-se um com Ele, 
assim como uma fecha.

Virabhadrasana
Fonte:
www.celextel.org/108upanishads/mundaka.html

21 novembro 2010

Mandukya Upanishad


[mANDukyopaniSat]
tradução de Flávia Venturoli de Miranda


1. Om. Como se sabe tudo isto é a sílaba imperecível, agora segue a explicação.
Assim toda a existência, presente, futuro e passado é o Om [ ]. Deste modo, o que está além dos 3 tempos também é o Om.

2. Tudo isso aqui certamente é Brahman [ ]. Atman [Atman] é Brahman. Assim como tal, atman tem 4 partes.

  3. No estado de vigília [jAgat] possui o discernimento [praj~na] exteriorizado com sete membros e dezenove bocas com que desfruta grosseiramente. O universal [vaishvAnara] é a primeiro parte.

4. No estado de sonho [svapna] possui o discernimento interiorizado com sete membros e dezenove bocas com que desfruta delicadamente. O brilhante [taijasa] é a segunda parte.

5. Quando o adormecido não se importa em desejar prazeres e não se importa em vivenciar sonhos, este é sono profundo [suSupta].
O estado sono profundo {sushupta} é chamado de discernimento completo em um único elemento [ekIbhUtaH praj~nAnaghana], pois constituído de felicidade suprema [Ananda], certamente o desfrutador da felicidade suprema é a boca da consciência. O discernimento [prajña] é a terceira parte.

6. Assim é o Senhor de tudo, assim é Onisciência, assim é o Controlador Interno [antaryAm], assim é a Fonte, a Origem e Dissolução da existência

7. Quando há nem discernimento interiorizado, nem discernimento exteriorizado, nem ambos discernimentos, nem discernimento completo, nem discernimento, nem inépcia, imperceptível, irrealizável, inconcebível, indistinguível, inimaginável, indefinido, nesse único atman que com firme convicção torna quieta a manifestação, em paz, é Shiva advaita [shiva advaita]. Na quarta parte aquele que pensa ser atman se reconhece.

8. Assim atman, como tal, é o mesmo que aquela sílaba superior a todas, o supremo Om. Como ele tem medidas, medidas Esse tem: A U M.
 9. No universal {vaishvanara} estado de vigília {jagat}, a primeira medida é a letra A, que por ser universal é estado inicial. Como trabalha realmente todos desejos infindáveis, assim é para quem conhece.

10. No brilhante {taijasa} estado de sonho {svapna}, a segunda medida é a letra U, que é superior aos outros dois, é pois é elevado.
Assim realmente pode dar continuidade ao conhecimento e tornar-se equanime, na sua família não existirá quem não conheça Brahman, assim é para quem conhece.

11. No discernimento {prajña} do estado de sono profundo {sushupta}, a terceira medida é a letra M, que por esta medida penetra. Como esta mede tudo, também dissolve, assim é para quem conhece.

12. O quarto é imensurável, não é realizável e a manifestação torna-se quieta em Shiva advaita. Assim o Om é o atman. O atman descansa no atman, assim é para quem conhece.
Shiva
Aqui finda a Mandukya Upanishad, como contida no Atharva Veda.

Bibliografia
PANOLI , tradução de Vidyavachaspati V. Mandukya Upanishad http://www.celextel.org/108upanishads/mandukya.html
KRISHNANDA, tradução de Swami. Mandukya Upanishad http://www.swami-krishnananda.org/mand/Mandukya_Upanishad.pdf
Mandukya Karika Gaudapada para itranslator http://sanskritdocuments.org/doc_upanishhat/kaarikaa.itx
TINÔCO, Carlos Alberto. As Upanishads São Paulo: Ibrasa, 1996

15 outubro 2010

A Procissão das Formigas

Indra e seu séquito

               Indra [ ] matou o dragão, gigantesco titã que descansava nas montanhas e que, sob a forma de uma nuvem serpenteante desprovida de membros, mantinha as águas do céu cativas no ventre. A divindade arremessou seu raio no centro da desconjuntada espiral e o monstro desmoronou como uma pilha de juncos secos. As águas irromperam, livres e suas torrentes fluíram através da terra, voltando a circular pelo corpo do mundo.
               Essa corrente é o rio da vida, que pertence a todos. É a seiva dos campos e florestas, o sangue que corre nas veias. O monstro apossara-se desse bem comum para satisfazer suas ambições. Criatura egoísta postara-se entre o céu e a terra, mas agora estava morto. Os fluidos estavam brotando novamente; os titãs se retiravam para os mundos ínferos; os deuses retornavam ao cume da montanha central da Terra, para reinar nas alturas.
               Durante o período da supremacia do dragão, as mansões majestosas da eminente cidade dos deuses haviam desmoronado, ruindo. O primeiro ato de Indra foi reconstruí-la. Todas as divindades celestiais proclamavam-no como salvador. Enaltecido pelo triunfo e consciente da própria força, convocou Vishvakarman [vishvakarman], deus das artes e ofícios, ordenando-lhe que erigisse um palácio digno do esplendor inigualável do rei dos deuses.

Vishvakarman
               Vishvakarman, o gênio miraculoso, conseguiu construir em apenas um ano uma suntuosa mansão, com palácios e jardins maravilhosos, lagos e torres. Mas à medida que o trabalho progredia, as exigências de Indra tornavam-se cada vez maiores, e mais ilimitadas e fantásticas suas visões. Exigiu novos terraços, pavilhões, mais piscinas, pomares e sítios aprazíveis. Toda vez que vinha apreciar a obra, o soberano dos deuses punha-se a arquitetar mais fantasias sobre as maravilhas que queria ver realizadas. O artífice divino, em desespero, decidiu buscar socorro nos céus, e apelar ao criador demiúrgico, Brahma [Brahma], corporificação prístina do Espírito Universal que habita muito além da agitada esfera olímpica onde reinam a ambição, a disputa e a glória.

Brahma
               Quando o suplicante Vishvakarman recorreu em segredo ao trono superior e apresentou seu caso, Brahma confortou-o: – Logo serás libertado desse encargo – disse-lhe. –Volta para casa em paz. Enquanto Vishvakarman, pressuroso, regressava à cidade de Indra, Brahma ascendeu a uma esfera mais alta, até chegar a Vishnu [viSNu], o Ser Supremo, de quem ele próprio, o Criador, não era mais que um agente. Em beatífico silêncio Vishnu escutou-o e com um simples aceno de cabeça, o fez saber que sua vontade seria realizada.

Vishnu
               Na manhã seguinte bem cedo um menino brâmane, portanto um bastão de peregrino, apareceu diante dos portões de Indra, ordenando ao porteiro que anunciasse sua visita ao rei. O porteiro correu até seu senhor e este se apressou em ir à entrada para dar as boas-vindas pessoalmente ao visitante auspicioso. Do esguio menino, que aparentava uns dez anos, irradiava-se o brilho da sabedoria. Indra foi encontrá-lo no meio de um bando de crianças maravilhadas, atônitas. O menino saudou o anfitrião com um olhar meigo nos olhos escuros e brilhantes. O rei curvou-se diante da criança divina, que o abençoou alegremente. Os dois encaminharam-se para o salão real, onde o deus procedeu à cerimônia das boas-vindas ao hóspede, com oblações de mel, leite e frutas, dizendo-lhe depois: – Ó Venerável Menino, diga-me qual é o propósito de tua vinda.

jovem brâmane
               A bela criança respondeu em voz profunda e suave como o lento trovejar de auspiciosas nuvens de chuva: – Ó Rei dos Deuses, ouvi falar do portentoso palácio que estais construindo e vim dirigir-nos as perguntas que me estão na mente. Quantos anos serão necessários para que se edifique essa rica residência majestosa? Que outros feitos de engenharia espera-se que Vishvakarman realize? Ó Rei dos Deuses! – o rosto luminoso do menino moveu-se com um sorriso bondoso, apenas perceptível – nenhum Indra que vos antecedeu conseguiu terminar um palácio como há de ser o vosso.
                Embriagado pelo vinho do triunfo, o soberano dos deuses divertia-se com a pretensão do menino de querer saber o que ele próprio ainda ignorava. Com um sorriso paternal, perguntou: –Responda-me, Menino! São muitos os Indras e Vishvakarman que já viste, ou de que, pelo menos, ouviste falar?
               O encantador visitante balançou, tranquilo, a cabeça: –Sim por certo, já vi muitos. –A voz era quente e doce como leite recém-ordenhado, mas as lentas palavras percorreram as veias de Indra como um calafrio. –Minha querida criança, prosseguiu o menino, conheci vosso pai, Kashyapa [kashyapa], o velho Homem-Tartaruga, senhor e progenitor de todas as coisas da terra, e o vosso avô Marichi [marIci], raio da luz celestial, filho de Brahma. Marichi, gerado do puro espírito do deus Brahma, tinha como única fortuna e glória a santidade e a devoção.
Brahma
          Também conheço Brahma, que Vishnu gerou do cálice do lótus germinando no seu próprio umbigo. E o próprio Vishnu – o Ser Supremo, que germinado no seu próprio umbigo. E o próprio Vishnu – o Ser Supremo, que sustém Brahma no seu empenho criativo -, a ele também conheço.

Brahma brotando do lótus do umbigo de Vishnu
               Ó Rei dos Deuses, conheci a terrível dissolução do universo. Assisti repetidas vezes ao perecimento de tudo, ao fim de cada ciclo. São tempos terríveis, em que cada átomo se dissolve nas águas primordiais e puras da eternidade, de onde originalmente tudo nasceu. Nesse momento tudo retorna à infinidade impenetrável e selvagem do oceano, no qual, coberto por total escuridão, não se vê qualquer vestígio de seres animados. Ah, quem contará os universos que desapareceram ou as criações que surgiram tantas vezes do abismo informe da vastidão das águas? Quem enumerará as eras do mundo, enquanto se sucedem ao infinito? Quem tentará, no espaço infinitamente amplo, contar um a um os universos, cada um deles contendo seu Brahma, seu Vishnu e seu Shiva [shiva]? Quem contará a totalidade dos Indras – os mesmos que, um a um, já reinaram certa vez em todos os inumeráveis mundos, ou os outros que desapareceram antes deles? Ou aqueles Indras que se sucederam em alguma dinastia, ascendendo ao trono divino, e um a um desaparecendo? Rei dos deuses, há entre vossos servos quem sustente ser possível contar os grãos de areia da terra e as gotas de chuva que caem do céu; contudo, jamais ninguém conseguirá enumerar todos os Indras. Isso é o que sabem os sábios.

               A vida e o reinado de um Indra duram 71 éons e, quando 28 Indras tiveram morrido, um dia e uma noite de Brahma terá transcorrido. Mas a existência de um Brahma, medida em tais dias e noites bramânicos, é de 108 anos. Brahma sucede a Brahma; um submerge e outro emerge: a sucessão infinita não pode ser medida. Não há fim para o número desses Brahmas – para não falar no dos Indras.

Infinitos Universos
                Mas aos universos, de per si, em qualquer momento dado, cada um abrigando um Brahma e um Indra, quem poderá estimar-lhes o número? Além da visão mais remota, constelando-se no espaço exterior, os universos surgem e desaparecem, em hoste inumerável. Como frágeis barcos, flutuam nas águas insondáveis e puras que formam o corpo de Vishnu. Em cada poro desse corpo um universo floresce e fenece. Acreditais poder contá-los? Podereis enumerar os deuses de todos esses mundos presentes e passados?
               Uma procissão de formigas aparecera no salão durante a fala do menino. Em formação militar, numa coluna de quase quatro metros de largura, a procissão desfilava salão afora. O menino percebeu-as, fez uma pausa, admirou-as. De repente soltou uma gargalhada estrondosa, para logo aquietar-se em silêncio profundo e introspectivo.
               – Por que ris? – gaguejou Indra. – Quem és tu, ser misterioso, sob teu disfarce de menino? – Agora estavam secos os lábios e a garganta do soberbo rei, cuja voz falhava continuamente. – Quem és tu, Oceano de Virtudes, oculto por névoa enganadora?
               O magnífico menino prosseguiu: – Ri por causa das formigas. A razão não pode ser contada; não me peçais para revelá-la. A semente do infortúnio e o fruto da sabedoria estão contidos nesse segredo. Ele golpeia como um machado a árvore da vaidade mundana, corta-lhe as raízes e dispersa-lhe a copa. Esse mistério é uma luz para aqueles que tateiam na ignorância. Submerso na sabedoria das idades, é raro que seja revelado, mesmo aos santos. É o ar que mantém vivos os ascetas que renunciam e transcendem a existência moral; mas destrói os mundanos iludidos pelo desejo e pelo orgulho.
               O menino sorriu e mergulhou no silêncio. Indra fitava-o, incapaz de mover-se. – Ó filho de um brâmane! – suplicou o rei, com nova e visível humildade – não sei quem és. Pareces ser a encarnação da sabedoria. Revela-me o segredo das idades, a luz que dissipa a escuridão.
               Solicitado a ensinar, o menino revelou ao deus a sabedoria secreta. – Vi as formigas, ó Indra, desfilando em longa procissão. Cada uma já foi um Indra, certa vez. Como vós, cada um dos Indras, por virtude de feitos piedosos, um dia ascendeu à condição de rei dos deuses. Mas agora através de muitos renascimentos, cada um se transformou novamente em formiga. Este é o exército dos que já foram Indras.

               Devoção e grandes feitos elevam os habitantes do mundo ao reino glorioso das mansões celestiais, aos domínios excelsos de Brahma e Shiva e a mais alta esfera de Vishnu; mas atos perversos fazem-nos mergulhar nos mundos ínferos, em poços de dor e sofrimento. A nova encarnação se dá entre pássaros e vermes, ou no ventre das porcas e animais selvagens, ou em meio a árvores e insetos. É pelos seus feitos que alguém merece a felicidade ou o sofrimento e torna-se senhor ou escravo. É pelos feitos que atinge a qualidade de rei ou de brâmane, de um deus, deu um Indra ou um Brahma. E ainda através dos feitos, contrai doenças, adquire beleza ou deformidade ou renasce sob a forma de um monstro.
               Esta é toda a essência do segredo, daquele saber que é a travessia para a bem-aventurança através do oceano do inferno.
               A vida no ciclo dos incontáveis renascimentos é como a visão de um sonho. Os deuses nas alturas, as árvores e as pedras silentes, são como aparições fantásticas. Mas a morte administra a lei do tempo: por ele predestinada, é ela a senhora de tudo. Efêmeros como bolhas são o bem e o mal dos entes do sonho. Em ciclos infindos, o mal e bem se alternam; nem a estes nem a coisa alguma, apega-se o sábio. O sábio não se prende a absolutamente nada.
               O menino concluiu o tremendo ensinamento e, em silêncio fitou o anfitrião. O rei dos deuses, em todo o seu esplendor celestial, reduzira-se aos próprios olhos, à insignificância. Nesse ínterim, outra assombrosa aparição ingressara na enorme sala.
Sadhu
               O recém-chegado pareceria ser uma espécie de eremita. Uma profusão desajeitada de tranças cobria-lhe a cabeça; cingia-lhe os quadris uma pele de antílope negra; na testa trazia pintada uma marca branca; a cabeça protegia-a um rústico guarda-sol de erva; no peito crescia-lhe um estranho chumaço circular de pêlos; estes se conservavam intactos na circunferência enquanto no centro faltavam muitos. O santo personagem encaminhou-se para Indra e o menino, acocorou-se no chão entre ambos e ali se postou, imóvel como uma rocha. O majestoso Indra, meio que recobrando seu papel de anfitrião, curvou-se em reverência, oferecendo coalhada com mel e alguns refrescos. Inquiriu, então, hesitante mas respeitoso, sobre o bem-estar do austero visitante, dando-lhe as boas-vindas. Quando ao menino, dirigiu-se ao santo homem com as perguntas que caberia a Indra fazer:
               – De onde vindes, ó santo homem? Qual é o vosso nome e o que vos traz aqui? Onde fica vosso lar e qual o significado desse guarda-sol de erva? O que pressagia o tufo circular de pelos que tendes no peito? Por que é denso na circunferência e ralo no centro? Tende a bondade, santo homem, de responder, em poucas palavras, estas perguntas. Anseio por compreender.
               O velho santo sorriu, paciente, e começou, lento a dar respostas. – Sou brâmane. Hirsuto é o meu nome. Vim até aqui para ver Indra. Como sei que tenho vida curta, decidi não ter lar algum, não construir casa, não me casar nem procurar sustento. Vivo de esmolas. Para abrigar-me do sol e da chuva levo à cabeça este guarda-sol de erva.
               Quanto ao círculo de pêlos em meu peito, apesar de ser fonte de aflição para os filhos do mundo, ensina a sabedoria. A cada Indra que cai, cai um fio. É por isso que já se foram todos os fios centrais. Quando a outra metade do período concedido ao presente Brahma [Brahma] chegar ao fim, eu próprio morrerei. Portanto, menino brâmane, restam-me poucos dias de vida! De que serviriam, então, esposa, filho ou casa?
               Cada mover das pálpebras do grande Vishnu [viSNu] marca a extinção de um Brahma. Tudo o que existe sob a esfera bramânica é tão insubstancial como uma nuvem que se forma e logo se dissolve. É por isso que me entrego, com exclusão de tudo o mais, à meditação cujo objeto são os incomparáveis pés de lótus do supremo Vishnu. A fé que lhe é dedicada significa mais do que a beatitude da redenção. pois toda a alegria, mesmo a celestial, é tão frágil quanto um sonho e apenas interfere na unicidade de nossa devoção a Ele, o Supremo.
               Shiva [shiva], aquele que concede a paz, o supremo guia espiritual, ensinou-me essa maravilhosa sabedoria. Não necessito experimentar as várias e bem-aventuradas formas de redenção; compartilhar as mansões divinas do supremo deus, desfrutar-lhe a eterna presença, ser igual a ele em corpo e vestes, tornar-me parte de sua augusta substância ou mesmo absorver-me por completo em sua inefável essência.

Shiva
                O santo homem cessou abruptamente de falar e desapareceu no mesmo instante. Era o próprio Shiva, que agora tornava à sua morada supra mundana. Ao mesmo tempo, desapareceu também o menino brâmane, que era Vishnu. O soberano, perplexo e atônito, estava só. Indra, o rei, refletiu: parecia-lhe um sonho o que acontecera. Mas ele não experimentava mais o desejo de ampliar o próprio esplendor divino ou de continuar a construir sue palácio. Convocou Vishvakarman. Cortês, saudou o artífice com palavras melífluas, cobriu-o de jóias e dádivas preciosas, e, depois de oferecer-lhe uma festa suntuosa, fez com que retornasse à sua morada.
               Indra, o rei, queria agora a redenção. Adquirira a sabedoria e seu único desejo era ser livre. Confiou ao filho o esplendor e o peso de seu cargo, preparando-se para isolar-se no ermo, vivendo como eremita. A bela e apaixonada rainha Shachi [shacI] encheu-se de aflição.

Shachi e seu marido Indra
                Chorando, em tristeza e total desespero, a divina consorte recorreu ao engenhoso sacerdote e conselheiro espiritual de Indra, Brhaspati [bRRihapati], o Senhor da Sabedoria Mágica. Ajoelhando-se a seus pés, implorou que fizesse com que seu marido abandonasse sua inflexível determinação. O sagaz conselheiro dos deuses, que com sortilégios e ardis auxiliara os poderes divinos a arrebatar o domínio do Universo das mãos dos titãs, seus antagonistas, ouviu com atenção as queixas da voluptuosa e desconsolada deusa. Com astúcia, sacudiu a cabeça em assentimento e, com um sorriso de feiticeiro, tomou-a pela mão e conduziu-a à presença do esposo. Assumindo, então seu papel de mestre espiritual, discursou sabiamente sobre as virtudes da vida do espírito e as da vida secular. Atribuiu a cada uma o que lhe era devido. Desenvolveu o tema com muita habilidade. O rei foi persuadido a abrandar sua determinação extremada, enquanto a rainha recobrava sua radiante alegria.

Brihaspati
               Brhaspasti, o Senhor da Sabedoria Mágica, elaborara certa vez um tratado sobre a arte de governar, para instruir Indra sobre o governo do mundo. Criava agora uma segunda obra, um tratado de como conduzir o amor conjugal e seus estratagemas. Instruindo sobre a encantadora e eterna arte da corte amorosa e do encadeamento do ser amado com laços duradouros, esse livro inestimável firmou sobre sólidos alicerces a vida matrimonial do casal reconciliado.
               Assim termina a maravilhosa história de como o rei dos deuses foi humilhado em seu orgulho sem limites, libertado de sua ambição excessiva e, através da sabedoria espiritual e secular, conduzido ao conhecimento do papel que lhe cabia nos ciclos da infinita mobilidade da vida[1]

 
ZIMMER, Heinrich Robert, Mitos e símbolos na arte e civilização da Índia; pgs 11 a 16, compilado por Joseph Campbell; tradução, Carmem Fischer – São Paulo: Palas Athena, 1989


[1] Nota do autor: brahmavaivarta purANa, kRRiSNa-janma khaNDa, 47.50-161.

12 outubro 2010

Quantos Deuses há? Brihadaranyaka Upanishad

[bRRihadAraNyaka upaniSad]
tradução Flávia Venturoli de Miranda

III-9-1. Então Vidagdha, o filho de Shakalya, perguntou-lhe:
– Quantos deuses há, Yajnavalkya?

Yajnavalkya explicou isto através do grupo de mantras nivid:
– Tantos quantos são indicados no nivid de todos os deuses {vishvadeva}, 303 e 3.003.

– Muito bem, disse Shakalya, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 33.

– Muito bem, disse o outro, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 6.

– Muito bem, disse Shakalya, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 3.

– Muito bem, disse o outro, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 2.

– Muito bem, disse Shakalya, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 1 1/2 .

– Muito bem, disse Shakalya, mas quantos deuses realmente há, Yajnavalkya?
– 1.

– Muito bem, disse Shakalya, então quem são aqueles 303 e os 3.003?

III-9-2. Yajnavalkya disse:
– Estes são as manifestaçãos deles, mas só há 33 deva-s.

– Quais são esses 33?
– Os 8 vasu-s, os 11 rudra-s e os 12 aditya-s, estes são 31 e Indra e Prajapati compõem os 33.1

III-9-3. – Quais são os vasu-s ?
– Agni, Prithivi, Vayu, Antariksha, Aditya, Dyaus, Chandramas e Nakshatra, estes são os vasu-s.2

III-9-4. – Quais são o rudra-s?
– Os 10 prana-s humanos, atman é o 11º.3 Quando ele partem do corpo, fazem (os parentes da pessoa) lamentarem. Por lhes fazerem lamentar, eles são chamados rudra-s.

III-9-5. – Quais são o aditya-s?
– Os 12 meses fazem o 1 ano; estes são os aditya-s, porque levarão tudo consigo. Por levarem tudo com eles, são chamados aditya-s.

III-9-6. – Quem é Indra, e quem é Prajapati?
– A própria nuvem é Indra, e o sacrifício {yaj~na} é Prajapati.
– Qual é a nuvem?
– O trovão {ashani}.
– Qual é o sacrifício?
– Os Animais.

III-9-7. – Quais são os 6 (deuses)?
 – Agni, Prithivi, Vayu, Antariksha, Aditya, e Dyaus, estes são os seis. Porque todos esses (deuses) são (estão inclusos dentro) estes 6.

III-9-8. – Quais são os 3 deva-s4?
– Apenas, estes 3 mundos {loka}5, porque nestes todos esses deuses estão incluídos.

– Quais são os 2 deva-s?
– Matéria {anna} e força vital {prANa}.

– Quais são os 1 1/2?
– São aqueles que sopram.

III-9-9. Considerando isto alguns dizem:
– Como os sopros do ar como uma substância, podem ser 1 1/2?
– São 1 ½, porque através de suas presenças tudo atinge insuperável glória.

– Quem é o único deus?
– A força vital {prANa}; é Brahman que é chamado de Tyat (Aquele).



1 [deva] = deus, divindade
2 [vasu] = beneficiente,
 [rudra] = uivador/lamentador,
 [Aditya] = meses solares, filhos de Aditi [ ] que, por sua vez, significa livre, destituida, devoradora, morte).
 [indra] = rei dos deuses, deus da tempestade. [prajApati] é o senhor das criaturas, deus criador
3 [agni] = fogo,
[pRRithivI] = terra,
[vAyu] = vento/ar,
[AntarikSa] = céu atmosférico,
[Aditya] = filhos de Aditi [ ], meses solares,
[dyaus] = céu,
[candramas] = lua e
[nAkSatra] = mês lunar
4 Prana é a força vital, a energia que sustenta a vida, que se divide em prana, apana, samana, udana, vyana, naga, kurma, krikara, devadatta e dhananjaya [prANa, apAna, samAna, udAna, vyAna, nAga, kUrma, kRRikara, devadatta, dhana~njaya]
[Atman] é o Si mesmo, alma.
5 [loka] = mundos, os [trayaloka] são bhU bhuvaH svAH



Bibliografia
WILLIAMS Monier, Sankrit-English Dictionary, digital V1.5 beta
KRISHNANANDA, Sw., trad. Briharanyaka Upanishad in http://www.swami-krishnananda.org/brdup/brhad_III-09.html
MADHAVANANDA, Sw. trad. Briharanyaka Upanishad in http://www.celextel.org/108upanishads/brihadaranyaka.html

07 setembro 2010

Yantra e o Espaço Sagrado



por Flávia Venturoli de Miranda

‘A profunda nostalgia do homem religioso
é habitar ummundo divino”,
ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”...’[i]


Shri Yantra

Yantra [ ] é um tema complexo pela variedade de maneiras e situações em que é usado. Há quem diga que yantra é formado por
yam = segurar, reter (como em yama = conter-se) +
tra = proteger, instrumento
Gosto de traduzir como
Yantra é a maquininha que contém a mente e a protege.
Yantra-s são instrumentos, aparatos, máquinas, engenhos de meditação, culto, proteção, magia, alquimia e tecnologia. Podem ser desenhos, símbolos, diagramas, cosmogramas (de devoção, que representam uma divindade), dispositivos, objetos (de alquimia, amuletos), instrumentos (cirúrgicos), máquinas (maquina voadora, robô) e construções (templos).

Execução do Yantra
Yantra Númerico
Yantra Vidhimadhyayam - Instrumentos Cirúrgicos
Shri Hanuman Yantra
Templo Shri Yantra 
O yantra atua no mundo das formas {rUpa} e tem sua contrapartida nominal {nAma} como mantra. O yantra é a representação visual do mantra e o mantra vivifica o yantra. O mundo é a manifestação da divindade, Brahman Saguna [brahman saguNa]. Assim como se diz da luz, que é tanto onda como partícula, essa manifestação assume um nome e uma forma. O par nama/rupa é recorrente no tantrismo.


Nama surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna [brahman nirguNa], primeiramente como vibração primordial {spanda}, que, quando tangível, é percebida como Om, o pranava [praNava].

ouça B.K. Iyengar entoando o
pranava - OM

Desse som primordial deriva todos os sons, que formam palavras, que são percebidas como coisas, que recebem nomes que as identificam.

Om e todas letras sânscritas
Rupa, por sua vez, surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como uma marca virtual {bindu avyakta}, que quando tangível, é percebido como ponto {bindu vyakta}.
Brahman como ponto
Dessa marca virtual deriva tudo o que tem forma, que é percebido como objeto, que recebe nome que os identifica. Em outras palavras, tudo o que tem nome, tem forma, isto é, na forma contém seu próprio nome e propósito {artha}. Assim a significação mental divinaforma aos nomes, e nomeia as formas manifestadas. Com o nomes e formas, o mundo é criado.

Yantra + Mantra de Katyayani
para o amor entre casais
Assim o par mantra/yantra faz parte de muitos rituais místicos, religiosos e simbólicos mundo a fora. Do profano ao sagrado, o som e a forma, andam juntos, interagem, se completam e se destroem.

Há a grafia musical (com notas, ritmos, escalas),

Projeto Beethoven - Transposição Sinfônica IX
de Walter Miranda,
há os pontos e cantos do candomblé,

Oxalá - ponto riscado
Oxalá - canto
há outros símbolos religiosos:

Judaíco

Islmânico
Crescente Islâmico
nama + rupa
Allah-Allah-Allah, Sufi chant (Zikhr) by Oruç Güvenç & Tümata

Cristão
Cruz de Cristo
Kyrie Eleyson, Maronite-Christian chant by Sarband & Osnabrücker Jugendchor
como a Cruz, que está associada com a imagem de Cristo e ao Pai Nosso

há as ciências com demonstrações gráficas das ondas de luz e de sons,

Luz é Dual, é onda e é particula.
ou mesmo a demonstração física de formas criadas por um líquido ou pó sobre um alto-falante com diferentes sons (veja vídeo),

ressonâncias capazes de destruir uma ponte,

Ponte de Tacoma
destruida pela ressonância com o vento


há ultrassons que permitem observar órgão internos e fetos (veja vídeo).

Para nós, ocidentais, os mantras são mais conhecidos, porém a sabedoria dos yantra-s, como ferramenta de autoconhecimento, é praticamente ignorada. O que há, é o conhecimento estético das mandalas [maNDala] 

Bunny Mandala
e suas aplicações terapêuticas na psicologia, graças ao Jung (verdade dita seja). Porém mandalas são apenas uma parte do universo dos yantra-s.


Simbolismo da Mandala
Carl Jung
Nos yantra-s usa-se a energia da forma para a contemplação, meditação, proteção e aplicação. Cada forma invoca uma energia específica que produz uma reação na mente do observador. Brincamos de desenhar yantra-s e mandalas, mas a realidade é que para essa energia criativa fórmulas prescritas de execução e contemplação. Além do que, todos os tipos de expressões formais e dimensionais podem ser aplicados nos yantra-s. Tentarei explicar em textos futuros os vários tipos de yantra-s.
Mahavidya Yantra
Antes de escrever sobre os vários tipos de yantra-s e aplicações, alguns conceitos de espaço sagrado são importantes para o entendimento da simbologia dos yantra-s, e para desfrutarmelhor dessa sabedoria.

Espaço Sagrado
O espaço sacralizado é o lugar do rito, do mito, do mundo conhecido, de segurança, de um grupo e do indivíduo. Para Eliade [ii], há uma ruptura no espaço (e no tempo) quando se entra no domínio do sagrado. A mesma terra que pisamos, quando consagrada muda sua dimensão simbólica e qualitativa, por agregar o poder do divino (do mito). Por isso, mesmo um pequeno lugar sagrado (diminuto até) pode representar todo um universo, em suas várias dimensões. O espaço sagrado traz ordem ao caos, orienta, norteia, dá direção e sentido.
Oratório
obra de Walter Miranda
O Centro
O que antecede ao surgimento do mundo (mitológico ou real) é o obscuro, o desconhecido, a água insondável primordial, as trevas, o inominável e amorfo.  A instalação do sagrado no espaço organiza o caos e seu centro estabelece orientação. No espaço sagrado, o centro é a fundação do mundo. Uma frase do Mircea Eliade que gosto muito é: ‘“Nosso mundo” situa-se sempre no centro [iii], em outras palavras o espaço sagrado é o nosso domínio.
planta de Stonehenge
O centro é o vínculo, na terra, do início da manifestação divina. Esse local de criação divina é absoluto, fixado como referência do centro do mundo sagrado para a periferia profana. É a singularidade de onde a complexidade deriva. Assim, o centro é o primeiro elemento importante na geometria sagrada. O centro sagrado num espaço plano é o ponto. O ponto sagrado toma  forma de pedra, grão, lugar, ovo, semente. Quando a sacralização passa ao espaço corpóreo, o ponto é o umbigo, o coração, o chakra [cakra], marma [ ], sthana [ ], granthi [ ] etc.


Corpo é o Templo
O Eixo
Quando o centro do sagrado passa a ter 2 pontos, formando um linha, essa ligação cria o eixo central. O eixo conecta a terra com o céu, axis mundi [1]. Através do eixo se estabelece a comunicação com a divindade, é o fio condutor das súplicas e de recebimento das dádivas, além de também sustentar e alicerçar o Céu (a morada divina).
O eixo sagrado toma forma de fio, pilar, poste, árvore, montanha, escada, etc. o eixo corpóreo por excelência é a coluna vertebral e, no plano sutil, a sushumna nadi [suSumnA nADI].
O Centro Expandido, o Plano
O centro é a forte fonte do poder divino que ao expandir se multiplica, deriva, varia, diversifica, porém perde potência. O axis mundi irradia seu poder em todas as direções e estabelece uma área sagrada, constituindo objetos, seres, corpos, terrenos, templos, casas, cidades, países, mundos, submundos, cosmo. O imago mundi [2] é tanto o macro como o microcosmo. O universo é o macrocosmo, mas relativamente também é o país, a cidade, o templo. O microcosmo é o próprio corpo, mas também o é o grupo familiar, o clã, a comunidade.


Olho de Deus,
nome popular da nebulosa Helix
Às vezes, o centro expandido ganha contornos simbólicos bem definidos como o da árvore da vida, a vaca sagrada , o ovo dourado {hiraNyagarbha}, o homem cósmico {puruSa}, etc.

Óvulo como Hiranyagarbha
Deste modo, o cosmo se personifica e pode ser identificado em uma divindade: Jesus, Nossa Senhora, São Francisco, Zeus, Afrodite, Shiva, Vishnu, Hanuman, Kali [shiva, viSNu, hanuman, kAlI], etc.
Nascimento da Vênus, detalhe
Sandro Botticelli
Vida como Jogo Divino
Todos esses centros expandidos são os palcos onde a vida se dá. Somos o atman[3] [Atman] dentro do Paramatman [4] [paramAtman]. O cosmo é o grande jogo divino, mahalila [mahAlIlA], é [onde os desfrutes {bhoga} são vividos.  

Somos o atman, a centelha divina imóvel, no centro da roda do samsara [saMsAra], nos seus ciclos de nascimento-vida-morte-renascimento, de onde o yogi [yogI] busca libertar-se {mokSa}.


“É um yantra, que o devoto deve permitir que se revele á sua visão interior, para então concentra-se nele. Deve ser inspirado por seus aspectos significativos e perceber que estes desvelam a essência secreta, a verdade, a realidade esotérica da natureza do universo e do seu próprio ser.” Zimmer [iv]






[1] axis mundieixo do mundo
[2] imago mundimundo idealizado
[3] Atmanalma individual
[4] Paramatmanalma universal, Deus


Bibliografia
CRISTESCU, Horia e BOZARU, Dan. Introduction to Yantra, in http://sivasakti.net/articles/intro-yantra.html em 22/08/2010
MAGEE, Mike, tradução. Yantra and Pranapratishta, in  http://www.shivashakti.com/yantra.htm, em 22/08/2010

[i] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, pg 61, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[ii] ibidem pg 26
[iii] ibidem pg 42
[iv] ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia, 3ª reimpres, pg 161. Palas Athena, 2002.