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22 outubro 2010

Noite e Dia


por Flávia Venturoli de Miranda

Varuna

10.000 galáxias nessa pequena porção da escuridão cósmica

                  Varuna [varuNa] significa o encobridor do céu. É um dos deuses mais antigos da Índia, é o deus noite, escuridão, é o caos primordial, que antecede a tudo. Por isso é o rei dos deuses, dos mundos e dos homens, é o sustentáculo do céu da terra. Pertence a classe dos seres escuros, asuras. O Rta Sukta [RRita sUkta] conta que a ordem cósmica e a verdade se originaram da noite através do tapas e dali surgiram os oceanos e os anos etc. Assim podemos inferir que Varuna, como o regente da noite primordial, é a raiz da ordem cósmica, rta.

 

                Curiosamente é também cultuado no zoroastrismo como Ahura Mazda.
                      Ahura Mazda

               Varuna une-se com Mitra, a deusa dia, também responsável pela ordem cósmica.

Varuna montado em Makara.
               Indra toma seu trono de rei dos deuses. Varuna passa a reinar sobre os oceanos celestiais, as águas insondáveis e profundas das origens, e o classificam como um dos aditya-s [Aditya]. As vezes também é citado como um daitya [ ], quando reina sobre os gandharva-s [ ]. Nessa fase como governante do oceano cósmico, em algumas iconografias, tem como montaria Makara [mAkara], um monstro marinho, traduzido normalmente como um crocodilo. Também como deus do oceano é pai de lótus, Pushkara [puSkara].

Pushkara - lótus azul filha de Varuna
 

Mitra

 



                Mitra [mitrA] significa companhia, amigo, amizade. É a deusa dia, que traz ordem, rta, ao caos primordial. Mitra chama os homens para a atividade e deixa os olhos vigilantes. Forma um casal com Varuna, a escuridão e juntos governam rta.

Por ordenar os mundos também sustenta o céu e a terra como seu marido. É uma apsara [Apsara] é chamada de Chitra [citrA], que significa brilhante, distinta, multicolor.

               Como deus, Mitra [ ], é um dos adityas, é o deus dia protetor da ordem, parceiro de Varuna. Curiosamente, esse deus é visto em várias religiões, no zoroastrismo, Mithra. Depois durante as campanhas militares romanas, é importado para Roma, como deus Sol, e acaba por ser incorporado no panteão romano, numa religião de mistérios chamada mitraísmo

Mitra - romano

Mais tarde virá a mitra papal católica, um diadema que simboliza aquele que defende terrivelmente a verdade. Pode-se dizer que é um deus que não saiu de moda, já que sua energia, brilho, disposição de ordenar é uma necessidade inerente a todos, sempre.   

Mitra Papal


Bibliografia
Rta Sukta - Rig Veda 10.190.1 e 2 [RRita sUkta – RRig veda]
CAMPBELL, Joseph, As Mascaras de Deus – Mitologia Primitiva. 8º ed, São Paulo: Palas Athena, 2010.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
KINSLEY, David R. Hindu Goddesses – Visions of the Divine Femine in the Hindu Religious Tradition. Berkley: University of California Press, 1998
BULLEN, Matthew, e et. National Geographic: Guia Visual da Mitologia no Mundo. São Paulo, Ed. Abril, 2010
WILKINS W.J, Hindu Mythology, Vedic and Puranic, 1900, at sacred-texts.com, in 05/10/2010
WILLIAMS Monier, Sankrit-English Dictionary, digital V1.5 beta

08 outubro 2010

Deuses Védicos

 por Flávia Venturoli de Miranda

Há ao menos três versões para os 33 deuses védicos:

33 Deva-s = Sura
Antes de listá-los, queria lembrar de alguns conceitos estudados por Campbell, Eliade. Há cosmogonias que se iniciam pelo Caos, onde da Escuridão surge a Luz, outras partem do relacionamento do Céu com a Terra. Desses casamentos divinos, hierogamia, dá origens às várias manifestações.

Assim, talvez seja o caso do deus védico mais antigo, Asura Varuna [asura varuNa], que o todo era apenas ele, só noite, profunda, infinita, mas ele se casa com Mitra [mitrA], o dia e o mundo surge. Posteriomente, Varuna passa a ser a água primordial insondável (portanto, obscura como a noite) e Mitra será uma manifestação do sol. Já nesse perído, Varuna é desbancado por um deus mais novo, Indra que junto com Prajapati [prajApati] cria os vários seres.

Outra versão nas mitologias mundiais, diz da cópula divina do céu, Dyaus [ ], que se deita diaramente sobre a terra, Prthivi [pRRithivI], e o mundo se frutifica. Esses são o pai e a mãe cósmicos. Na versão indiana, a filha do casal é a aurora, Ushas [uSas], que também em mitologias posteriores passa a ser uma das manifestações do sol, ou apenas uma auxiliar como a cocheira que guia os cavalos de Surya [sUrya], o sol, trazendo o dia.

Provavelmente essas foram crenças muito antigas, que foram suplantadas e absorvidas pelo culto dos 33 deuses védicos.
Os Vishvadevas [vishvadeva], que significa todos os deuses, não incluem realmente todos, mas trata da grande maioria citada nos Vedas. Esses 33 devas são associados a Luz, por isso são suras [sUra], mesmo que alguns sejam chamados de asuras [ ]. (veja a postagem Suras e Asuras).

Aqui começam as confusões, como quem conta um conto, aumenta um ponto, essas divindades são contadas e recontadas e reformuladas desdes os shruti-s, até os smriti-s, como nos purana-s, nos itihasa-s e outras coletânias. Assim, é muito dificil, para mim uma ocidental desatar esse nó védico e provalvemente vou incorrer em alguns equívocos, mas vou tentar nas futuras postagens.



1 [shruti] textos revelados pelos deuses aos videntes poetas
[smRRiti] textos da tradição
[purANa] mitologias, textos mitológicos
[ithihAsa] épicos


Bibliografia
CAMPBELL, Joseph, As Mascaras de Deus – Mitologia Primitiva. 8º ed, São Paulo: Palas Athena, 2010.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
WILLIAMS Monier, Sankrit-English Dictionary, digital V1.5 beta



04 outubro 2010

A Assim denominada Guerra Racial no Vedas

do Dr. David Frawley (Vamadeva Shastri),
American Institute of Vedic Studies
Tradução de Flávia Venturoli de Miranda
com autorização do autor
Setembro/2010
Pensava-se que o povo védico tinham sido um raça de pele clara como os europeus, devida idéia védica de uma guerra entre luz e escuridão. Essa idéia era sustentada pelo fato do povo védico serem considerados como crianças de luz ou crianças do sol. Contudo, esta idéia de uma guerra entre luz e escuridão existe na maioria das culturas antigas tanto indo-européias como não, inclusive entre egípcios e persas, cuja antiga religião do zoroastrismo é principalmente dominada por esta dualidade. Isto também se reflete dentro da batalha bíblica entre Deus e Satanás. Por que não interpretarmos estas tradições como guerras entre pessoas de peles claras e escuras? É uma metáfora mítica, não uma declaração cultural. Todas as afirmações, nas quais se referem às pessoas hostis como escuras nos Vedas, simplesmente fazem parte desta analogia luz-escuridão, os demônios da escuridão contra o deus sol e seus poderes de luz.

Além disso, nenhum rastro real de uma raça branca foi achado dentro Índia antiga.

Antropólogos observaram que a população presente de Gujarat é mais ou menos composta dos mesmos grupos étnicos como se nota em Lothal em 2000 aC. Da mesma maneira, dizem que a população atual do Punjab é eticamente a mesma que a população de Harappa e Rupar de quatro mil anos atrás. Linguisticamente, na atualidade a população de Gujarat e Punjab pertence ao grupo da língua indo-ariano falada. A única conclusão que pode ser tirada das evidências antropológicas e linguísticas apresentadas acima é que a população de Harappa no Vale de Indus e Gujarat em 2000 aC eram compostas de dois ou mais grupos, o mais dominante entre eles tinham afinidades étnicas muito íntimas com a população de fala indo-ariano atual da Índia.

Em outras palavras não há nenhuma evidência racial de uma invasão indo-ariano da Índia, ou de qualquer população que se dirigiu do norte da Índia para o sul, mas só de uma continuidade do mesmo grupo das pessoas que tradicionalmente se consideravam ser ariano na cultura. Arqueologicamente, não há evidência de uma guerra racial e a evidência literária védica apenas parece ser um entrelaçamento de metáforas. Seria como tornar a prece védica que nos conduz da escuridão para luz em uma prece para nos salvar das pessoas pele escura e aliar-nos com esses de pele clara!

Povos Védicos

As batalhas mencionadas no Rig Veda, entre os aryas[1] e os dasyus[2], são em grande parte entre os “cinco povos” (pancha manava[3]). Estes cincos são identificados como o turvashas[4], yadus[5], purus[6], anus[7] e druhyus[8] que os Puranas descrevem como originados dos cinco filhos de Yayati[9], um rei védico anterior da dinastia lunar descendente de Manu, e o filho de Nahusha. Estes povos, tanto os dasyus como os arianos (arya), também eram chamados de nahushas no Rig Veda. Dos cinco, os principais povos do Rig Veda são os purus que normalmente se situavam no rio de Sarasvati ou na região central. Os yadus são localizados ao sul e a oeste no Gujarat, Rajasthan e Maharashtra até Mathura ao norte. Os anus ficam ao norte. Os druhyus estão ao oeste e sudeste de turvasha, como mencionados nos Puranas.

Na história original purânica havia dois grupos de povos, os devas[10] e os asuras[11], ou seja, os povos divinos e os não divinos, que tiveram vários conflitos. Ambos tinham gurus brahmins, os angirasas para os suras (devas) e os bhrigus para os asuras. Aos dois grupos de brahmins poderíamos acrescentar, que eram responsáveis por muitos ensinamentos na Índia antiga, inclusive das Upanishads. As batalhas entre os devas e asuras envolveram uma luta de seus gurus.


Asuras a esquerda e devas a direita durante o batimento do leite.
 
Rei Yayati, o pai dos cinco povos védicos e um seguidor, dos angirasas, teve duas esposas, Devayani, a filha de Shukra, dos videntes de bhrigu, e Sharmishta, a filha de Vrishaparvan, rei dos asuras. Turvasha e Yadu eram filhos de Yayati com Devayani dos bhrigus. Anu, Druhyu e Puru eram os filhos de Yayati com Sharmishta dos asuras. A história de Yayati mostra que os cinco povos védicos nasceram de uma aliança de reis aryas e asuras, e de seus videntes Angirasa e Bhrigu.

Vrishaparvan e Shukra parecem ter vindo do sudoeste da Índia, Gujarat, como os bhrigus eram os descendentes de Varuna, deus do mar, e sempre foram associados com esta região de Índia (por exemplo, sua cidade de Bhrigukaccha ou Baruch moderno perto de Baroda). Na história purânica, seus territórios limitaram-se naqueles de Yayati onde, enquanto caçava, aconteceu o relacionamento com Devayani e Sharmishta.

Consequentemente, três dos cinco povos védicos originais tiveram sangue asuras por parte de mãe. Puru, cujo grupo, no final das contas, predominava, teve sangue asura, considerando que os yadus que foram fortemente criticados nas literaturas védica e purânicas, não tinham sangue asura, porém os brahmins tinham. Nesta história, vemos que os dois grupos de povos – pensados na teoria de invasão ariana como os arianos invasores e os povos indígenas - tiveram a mesma religião e ascendência.

Este cinco povos foram nomeados arya e dasyu que significa algo como bom e mau, santo e profano, de acordo com seus comportamentos. Suas designações podem trocar rapidamente. Os descendentes de um rei ariano podem ser chamados de dasyu ou seu equivalente (rakshasa, dasa, asura, etc.), se seus comportamentos mudam.
Por exemplo, na mais importante batalha no Rig Veda, a famosa batalha dos dez reis (Dasharajna), os vitoriosos sudas, considerados como um rei puru, situado no rio de Sarasvati, inclui entre seus inimigos o grupo chamado de dasyu dos cinco povos védicos como o anus, druhyus, turvashas, e até mesmo os purus. Porém, os filhos dos sudas caem e, na literatura dos Brahmanas e dos Puranas, são chamados de rakshasas ou demônios por matar os filhos do grande rishi Vasishta. Enquanto isso os kavashas, uma família de vidente, listados entre os inimigos derrotados dos sudas aparece novamente dentro dos Brahmanas e das Upanishads como os sacerdotes principais da famosa dinastia de reis de kuru, particularmente Tura Kavasheya, o purohit[12] do Rei Janamejaya. Os bhrigus que estavam entre os derrotados pelos sudas, aparecem como professores em destaque no conhecimento védico e purânico posterior como já mencionado. Tais trocas seriam impossíveis se arya e dasyu fossem simplesmente termos raciais. Os arianos e os dasyus não são uma divisão racial ou linguística mas uma divisão religiosa ou espiritual que muda junto com comportamento humano.

Batalhas védicas estão principalmente entre os povos védicos que são divididos em vários reinos, grande e pequeno, muito como se encontra no próprio Mahabharata. Povos hostis geralmente são os kshatriyas védicos ou a nobreza entre este cinco povos. Divodasa, outro grande rei védico da linha puru, derrota, Turvasha e Yadu no Rig Veda. Um rei chamado Divodasa, nos Puranas, derrota os yadus. No Mahabharata, Mandhata, um grande rei védico e dasyu conquistador, derrota os druhyus, o rei de dinastia lunar dos gandharas ou Afegãos. Parashurama, o sexto avatar, do deus Vishnu, não só castiga os yadus (Kartavirya Arjuna) mas todos os kshatriyas. O grande rei da dinastia solar Sagara também derrota os yadus que tinham se aliados com muitos povos estrangeiros.

As principais batalhas védicas e purânicas são, por consequência, entre os purus e seus aliados (como os ikshvakus) e os yadus e seus vários aliados (principalmente os turvashas, mas às vezes com os druhyus). Isto é semelhante à batalha deva-asura como se colocam os povos do Sarasvati ao norte contra esses do sudoeste, mas novamente como uma batalha entre povos aparentados. No Rig Veda, primeiramente, Indra torna Turvasha e Yadu grandes e então os humilha diante dos purus.

Rama, o sétimo avatar, derrota Ravana que dizem ser um descendente brahmin do rishi como também um rakshasa (demônio). O irmão de Rama, Shatrughna derrota Lavana, o amigo de Ravana, em Mathura, a região de yadus que também dizem ser é um rakshasa. Esta conexão entre Lavana e Ravana sugere que o próprio Ravana era um yadu, um migrante de Gujarati para o Sri Lanka, não um dravidiano. A primeira onda de arianos a vir para o Sri Lanka foram do Gujarat e consequentemente yadus. Por isso, Ravana sequestra Sita no rio de Godavari que também era na região os yadus. Enquanto isso o outro irmão de Rama, Bharata, conquista Gandhara, a terra do druhyus.
Os pandavas, com Krishna, o oitavo avatar, derrotam seus próprios parentes, os kauravas que dizem ser a encarnação de vários demônios, em cujo ao lado estão os próprios gurus dos pandavas como Bhishma e Drona que eles devem também matar. Os kauravas são, além disso, os descendentes de uma mãe gandhara ou druhyu, Gandhari. Krishna também mata Kansa, um rei mau de yadu da sua própria família.

Outros exemplos proeminentes acontecem quando brahmins são os inimigos ou os videntes lutam entre si. Vritra, o inimigo de Indra, o maior deus védico, dito nos Brahmanas e Puranas deve ter sido um brahmin e Indra teve que se expiar pelo pecado de matar um brahmin depois do matá-lo. Esta idéia volta aos Vedas donde Vritra é o filho Tvashtar, um dos deuses védicos, a deidade patrona do sacrifício. Muitos dos conflitos nos Puranas são entre os videntes Vasishta e Vishvamitra, ambos honrados ao longo da literatura de Índia como grandes videntes. Este conflito volta ao tempo de sudas onde ambos competiram para se tornar purohit ou sacerdote chefe.
Textos védicos, como o Brahmanas, usam os dasyus como descendentes capturados do rei védico Vishvamitra, o mais velho de seus filhos; fazendo-lhes os descendentes mais velhos de reis védicos e videntes. Isto lembra uma das histórias de Yayati onde ele era Puru, o filho mais jovem que herdou seu reino e o seus filhos mais velho Yadu e Turvasha tornaram-se hostis.

Mleccha[13] é outro termo que depois se referiu às pessoas, que falavam um idioma diferente ou aos estrangeiros, era primeiro usado na literatura nos Sutras, Brahmanas e Mahabharata para pessoas de Índia ocidental de Gujarat para Punjab (reinos de anu, druhyu e predominância de yadu) que se tornou temporariamente uma região de práticas impuras. Tais pessoas eram obviamente os oradores de idiomas indo-europeus e era parte da mesma cultura. Estas mesmas regiões incluíram o reino do Deus Krishna em Dvaraka e a famosa cidade de Takshashila em Gandhara da qual o grande gramático Panini veio, o que mostra que tal termo era apenas temporário.

A exclusão dos povo védicos e daqueles de diferente características ou idiomas étnicos de língua não-indo-europeus é um suposição que deriva da teoria de invasão ariana e seu corolário de raça/língua ariana. Índia védica provavelmente era um cultura pluralista, como o panteão védico pluralista. Os Vedas são os únicos livros que sobrevivem desta era. Isto, porém, não significa que outros livros ou ensinamentos não chegaram a existir, inclusive com outros idiomas. É possível que ao menos cinco povos védicos inclusive grupos que falavam diferente, até mesmo idiomas não-indo-europeus, ou pertencentes a diferente grupos étnicos ou raças diferentes. Havia outras tradições arianas que derivam de ou alternativa para os védico como o zoroastrismo, ou as tradições de shramanas que deram à luz Budismo e Jainismo. Uma vez a idéia de invasão ariana é terminada, devemos reconhecer a diversidade de cultura védica e ariana. Não há nenhuma necessidade para estereotipar isto através de raça, idioma ou até mesmo religião, particularmente quando a tradição que veio disto é isto muito diversa.

Assim, os povos védicos devem ser excluídos estas características étnicas diferentes ou de fala de idiomas não-indo-europeus, pois isto são suposição derivada da teoria de invasão ariana e seu corolário de raça/língua ariana. A Índia védica provavelmente era um cultura pluralista, como um panteão védico pluralista. Os Vedas são os únicos livros sobreviventes desta era. Contudo, não significa que outros livros ou ensinamento não existiram, inclusive aqueles em outros idiomas. Pode ser que os cinco povos védico incluíram grupos que falavam diferentemente, até mesmo de idiomas não-indo-europeus, ou pertencessem a diferentes grupos étnicos ou diferentes raças. Há outras tradições arianas que derivam ou são uma alternativa védicas como o zoroastriamo, ou as tradições de shramana que deram à luz ao Budismo e Jainismo. Uma vez, que se desiste da idéia da invasão ariana, devemos reconhecer a diversidade da cultura védica e ariana. Não há necessidade para estereotipá-la através de raça, idioma ou até mesmo religião, particularmente quando a tradição que veio dela é muito diversa.

Os Puranas fazem os descendentes de dravidianos da família védica de Turvasha, um do povos védicos mais velho. Estes historiadores antigos não sentiam qualquer necessidade para limitar o povo védico em um grupo linguístico. Os Vedas retratam a grande região do norte da Índia que deve ter sido como um complexo cultural como hoje. Na realidade os Puranas consideram os chineses, os persas e outro povos não-índicos como descendentes de reis védicos. Os Vedas vêem todo os seres humanos como descendentes de Manu, seu primeiro e legendário homem. Dizem que os videntes védicos não só geraram os seres humanos mas a criação animal como também os reinos dos deuses e dos demônios.

Podemos comparar as guerras védicas com aquelas da Europa. Porém tais batalhas ferozes eram como os conflitos entre os católicos e protestantes, ou entre os alemães e os franceses, luta entre povos e religiões aparentados, que tiveram também longos períodos de paz entre si, além dos períodos mais dramáticos de conflito. Não temos que trazer a idéia de invasores externos para explicar estes conflitos e certamente a literatura védica e purânica não apóia isto.

do Dr. David Frawley (Vamadeva Shastri),
American Institute of Vedic Studies
Tradução de Flávia Venturoli de Miranda
com autorização do autor.
Setembro/2010


[1] arya – traduzido pelo dicionário Monier Williams como bom, excelente, verdadeiro, gentil, senhor, mestre, favorável.
[2] dasyu – traduzido normalmente como os inimigos dos deuses, ou povos bárbaros segundo o dicionário Monier Williams
[3] mAnava – descendentes de Manu (o primeiro homem da Índia, como se fosse o Adão judaico-cristão)
[4]Turvasha -  nome de um heróis e ancestral dos árias (chamado Yadu) formando a raça turvashayadu, no dicionário Monier Williams
[5]Yadu – nome de um herói mencionado junto com Turvasha, que foram preservados por Indra durante uma inundação, no poema épico ele é um dos filhos de Yayati e é irmão de Puru, Turvasu. Krishna é um descendente dos yadus. São também chamados de filhos de Vasu, rei de Cedi, ou o filho de Haryashva, no dicionário Monier Williams.
[6]Puru – significa muitos, É o nome de um príncipe (filho de Yayati e Sharmishtha e o 6º monarca da dinastia lunar) ou filho de Vasudeva e Sahadeva, ou filho de Manu Chakshusha e Nadvalala
[7]Anu – um homem não arya, um rei filho de Yayati
[8]Druhyu - filho de Yayati e portanto irmão de Yadu.
[9]Yayati – nome de um celebrado monarca da dinastia lunar, filho do rei Nahusha a quem sucedeu através de suas 2 esposas teve 2 linhagens de raças lunares Yadu (como o filho Devayani, que era filha de Ushanas ou Shuskra) e Puru (como filho de Sharmarmishtah, que era filha de Vrishaparvan). Tanto Yayati como Nahusha são autores do Rig Veda, Monier Williams.
[10] deva – divino, deus, associado com os sUras (do sol – sUrya)
[11] asUra – ausência de sol,
    asura – espiritual, divino, espírito supremo, inimigo dos deuses (sUras), daityas (filhos de Diti com Kashyapa)
[12] purohita – sacerdote familiar
[13] mleccha – bárbaros, estrangeiros

Suras e Asuras


Suras

por Flávia Venturoli de Miranda

    O maniqueísmo celestial começa com a separação de Luz e Escuridão, como seres de juízo de valores antagônicos. No livro do Dr. David Frawley, sobre o Mito da Invasão Ariana, ele demonstra claramente que na verdade se tratavam de povos aparentados que ora se aliavam e ora digladiavam entre si, assim, conforme as circunstâncias eram considerados povos do bem ou do mal, da luz ou da escuridão, segundo a conveniência.

    Sura [ ] é a luz, a claridade. Assim, Sura [ ], a Luz está associada a todos os luminosos 33 deuses védicos  (que serão descritos em uma postagem futura), mas também está associado, a apenas, aos 12 filhos do próprio Sol, conhecidos como dasha adityas, que são também integrantes dos 33 devas védicos.

    Sura [sUra] é o incitador, e dá origem a palavra Surya [sUrya], Sol, deus Sol. Sura, também, está associado ao suco extraído do soma, que é um incitador.

    Outra tradução para sura é um tipo de fogo, e por isso se diz que é filho de Tapas [ ], a austeridade que arde.

    O deus Visnhu [viSNu] que pertence a uma dinastia solar é também identificado com Sura.

    No dicionário sânscrito Monier Williams, elenca as possíveis origens da palavra:
        asura – escuro
        sita – luar, luz da lua cheia, luz cândida, luz pura, Vênus, Estrela D’Alva
        asita – preto, negro, Saturno
        svar – lustroso, brilhante, brilho do céu, celestial, divino


NOTA: O esplendor como única manifestação, não permite percebê-lo em sua majestade, pois não há contraste, Não há limites que são definidos pelas sombras e a obscuridade. Cega a vista e não define nada. Apenas é.


Bibliografia
FRAWLEY, David , THE MYTH OF ARYAN INVASION OF INDIA pgs 22 a 33, www.vedanet.com, American Institute of Vedic Studies
WILLIAMS Monier, SANKRIT-ENGLISH DICTIONARY, digital V1.5 beta

 

Asuras


por Flávia Venturoli de Miranda

    Asuras [ ] são os que não tem luz, são os escuros, a escuridão, ausência de luz, noite, para os povos védicos. Por extensão e derivação, os asuras são os não divinos, e posteriormente são os demônios.

    No livro do Dr. Frawley1, deixa claro que não se trata de escuros de pele, como se pensava no passado, já que tantos os suras como os asuras são da mesma etnia, são povos aparentados. Assim resta o fato, de haverem guerras entre povos que se consideravam luminosos e “do bem”, tendo os outros obviamente como o “do mal”. Temos os aryas [ ] versus dasyus [ ]. Os senhores versus os bárbaros. Óbvio que os devas estão associados aos aryas e os dasyus aos asuras. Nisso inclui, não só as guerras territoriais entre reis, como também, as lutas entre as crenças e lideranças sacerdotais.

    Segundo Frawley, vê-se que todos têm uma mesma origem, mas os perdedores ou estrangeiros são identificados como asuras. Eliade3, diz a mesma coisa ao se referir ao profano,  quando fala que o sagrado é o nosso mundo, o profano é o que está fora do nosso mundo, e lá é onde vivem os demônios”. Na própria psicologia, temos o inconsciente, a sombra, etc, como algo assustador e perigoso, que luta contra o lado luminoso de si mesmo para se manifestar. Campbell4, diz que, nas estampagem da infância, se cria animicamente monstros que justificam os medos e os eventuais afastamentos da fonte de toda segurança, a mãe (ou do pai). Assim temos nossas sombras, monstros, demônios, adversários, terroristas. gringos e afins. São tanto psicológicos, como mitológicos, reais e circunstanciais.

    Entre os asuras, há tantos deuses como sábios videntes, rishis [RRiS]. Posteriormente, mesmo esses passam a serem considerados divinos e se “esquece” suas origens asuras. O chefe supremo dos asuras é a poderosa escuridão primordial, onde “não havia existência, nem não existência 2, personificado pelo deus Varuna [varuNa] (mais tarde será associado ao insondável oceano), que é ao mesmo tempo listado como um aditya (um ser solar) Outro asura é Kubera, deus da prosperidade. Entre os rishisBhrigu [bhRRigu] e seus descendentes.

    Quando um determinado povo se dividiu e foi para Índia, os devas ou suras passaram a ser divinos para esse aryas, nobres senhores. Quanto a outra metade partiu para o Irã, os asuras, tomaram o nome de ahuras e esses passaram a ser os divinos para os aryas deste local; enquanto os daevas é que eram os demônios. Esses criaram a partir das Avestas (Vedas) a religião chamada Zoastrismo. Assim, o Asura Varuna tem um significado muito próximo de  Ahura Mazda, dos primórdios dos asvestas.5

    Entre os asuras posteriores, temos como classe demoníaca os rakshasas e os daityas, que veremos posteriormente. Classes de religiões que foram absorvidas pela a religião que venceu. Entre esses deuses-demoníacos hás os nagas [nAga], as serpentes (lembre-se que Patañjali é um nagaraja [nAgarAja], uma serpente real), as shaktis [shakti], as energias primordiais, os gandharvas, os apsaras [Apsara] etc, que são incorporados como subclasses inferiores a nova classe dominante de deuses.


NOTA: A escuridão é o caos primordial, é o desconhecido, é o indefinido por não haver luz que o contraponha. Não permite ver. Apenas é.


Bibliografia
1. FRAWLEY, David , The Myth Of Aryan Invasion Of India pgs 22 a 33, www.vedanet.com, American Institute of Vedic Studies, tradução de trechos por Flávia Venturoli de Miranda
3. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
4. CAMPBELL, Joseph, As Mascaras de Deus – Mitologia Primitiva.  8º ed, São Paulo: Palas Athena, 2010.
5. TARAPOREWALA I.J.S., Zoroastrianism - Abstracted from : The religion of Zarathushtra, Madras, 1926, in http://www.farvardyn.com/zoroaster.php
WILLIAMS Monier, Sankrit-English Dictionary, digital V1.5 beta


16 agosto 2010

Purusha Sukta - Rig Veda 10.90

tradução de Flávia Venturoli de Miranda

1.
Um milhar de cabeças tem Purusha [puruSa] [1] ,
um milhar de olhos, um milhar de pés.
Assim envolve a terra {bhUmi} por todas as direções
e transcende em 10 dígitos {a~Ngula}.



Tantric Diagram of Virata Purusha

2.
Purusha sozinho é o todo,
o que foi e que será.
É realmente o dono da Imortalidade {amRRita}
que sustenta pelo alimento {anna}.

3.
Tanto é sua grandeza;
que realmente, Purusha é superior a esta.
Todas as criaturas são um quarto dele.
Os outros três quartos são imortais e divinos.

4.
Os três quartos de Purusha ascenderam,
um quarto dele se tornou novamente existente,
com isso, manifestou para todas as direções
os seres terrestres e celestiais

5.
Dele nasceu Viraj[2] e
de Viraj [virAj] surgiu o Purusha.
Tão logo surgiu,
se espalhou adiante e por de trás da terra.

6.
Com a oferenda de Purusha,
os deva-s[3] executaram o sacrifício {yajna}.
A primavera {vasanta} foi a manteiga clarificada {Ajya},
o verão {grISma} foi o combustível
e o outono {shArad} foi a oferenda sagrada.

7.
Assim pelo sacríficio de asperção na grama sacrificial,
primeiro surgiu Purusha.
onde os deva-s, que eram sadhya-s[4] e rishi-s[5],
o sacrificaram

8.
Do grande sacrifício geral,
a manteiga clarificada {Ajya} gotejante foi coletada
Deste ciclo foram criados as criaturas do ar e os animais,
tanto os selvagens como os domesticados.

9.
Do grande sacrifício geral,
os versos sagrados do Rig [RRig] e do Sama [sAma] germinaram.
Dali encantamentos sagrados germinaram
Deles Yajus [ ] surgiu.

10.        
Dele os cavalos nasceram.
Dele todos os rebanhos com 2 fileiras de dentes.
Dele as vacas foram geradas,
Dele as cabras e ovelhas nasceram.

11.
Quando Purusha foi dividido em vários?
O que se tornou seu rosto?
E seus braços?
Como chamam suas pernas e pés?

12.
Seu rosto era o brahmana [6],
seus braços eram feitos de rajanya[7].
Suas coxas se tornaram o vaishya[8],
de seus pés foi produzido o shudra[9]

13.
A lua {candra} foi gerada de sua mente {manas},
e de seus olhos nasceu o sol {sUrya};
Indra [ ] e Agni [ ] nasceram de seu rosto e
Vayu [vAyu] de sua respiração {prANa}.

14.
De seu umbigo veio a atmosfera {antarikSa},
da sua cabeça foi feito o céu {dyau},
De seus pés a terra, de seus ouvidos as direções.
Então eles formaram os mundos {loka}.

15.        
Havia sete portões,
três vezes sete combustíveis para oferenda foram preparados
Para aquele sacrifício dos deva-s,
prenderam Purusha como um animal

16.        
Pelo sacrifício os deva-s fizeram
o culto do sacrifício
Aqueles do dharma [ ][10] primal,
pela grandiosidade de suas adorações,
fazem assim como os sadhya-s [sandhya] e os deva-s [deva].


Purusha Sukta em pdf


[1] puruSaHomem primal cósmico, a alma universal, associado a Narayana [nArAyaNa]. Para o Samkhya [sAMkhya] é a inteligência e consciência do mundo.
[2] virAj – o regulador, o governante, posteriormente associados com Manu [ ], Prajapati [prajApati], Brahma [brahmA] e Vishnu [viSNu]
[3] deva [ ] – deuses, divindade
[4] sAdhyaseres celestiais moradores do bhuvarloka [bhUvarloka ]
[5] RRiSi – sábios que ouviram as revelações dos Vedas
[6] brAhmaNabrâmane. A primeira casta dos 4 varna-s [varNa]. Classe sacerdotal
[7] rAjanya = kshatriya [kSatriya]. A segunda casta d dos 4 varna-s. Classe militar e da realeza.
[8] vaishya ­­­­­- A terceira casta dos 4 varna-s. Classe de comerciantes e agricultores
[9] shudra – A quarta casta dos 4 varna-s. Classe do serviçal
[10] dharmalei cósmica, justiça, um dos 4 puruSArtha-s objetivos da vida