Postura do Crânio
[kapAlAsana]
de Flavia Venturoli Miranda
2008
kapala [kapAla] – crânio, vaso de oferenda
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Kapala, vaso de oferenda |
O
crânio, na maioria das culturas, representa a morte, o fim da
existência corpórea. A inexorabilidade da morte é fator de medo,
angustia e reflexões. Não à-toa Shakespeare filosofa em Hamlet que
segura um crânio e diz: “To be or not to be. That is the question.”
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Hamlet: To be or not to be. |
Na Índia, os kapalikas [kApAlika], uma seita ascética tântrica [tAntrika], cultuam Shiva Kapali [shiva
kapAli] como o transformador radical de morte e renascimento. Suas
práticas de tapas [tapas] são bastante radicais e visam lidar com
equanimidade as abjeções da manifestação, por isso, as vezes, moram e
meditam em cemitérios. Não raramente usam crânios como suporte para
seus alimentos. Assim como faziam os vikings, ao usarem como canecas.
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Kapalika - Aghor |
O crânio como receptáculo do encéfalo, também remete a morada da mente, do intelecto e da noção de eu, o que no Samkhya [sAMkhya] é chamado de órgãos internos, antahkarana [antaHkaraNa]. A deusa Kali [kAlI] usa uma girlanda de cabeças, ou de crânios que representam as ignorâncias estirpadas.
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Kali e seu kapalamala |
Antropologicamente, há quem diga que o fato de evoluirmos de quadrúpede
para bípede, elevou nossa cabeça a um outro plano de percepção. Que as
necessidades das savanas, nos obrigaram a olhar mais longe, culminando
na escolha dos mais aptos para a sobrevivência nessa nova realidade.
Esse mudança estrutural do corpo, permitiu um aumento da capacidade
encefálica, possibilitou uma nova acomodação das cordas vocais
(permitindo a linguagem falada), e principalmente libertou, nossas
principias ferramentas de linguagem e de transformação do mundo, as
mãos.
A posição privilegiada do encéfalo e o aumento do intelecto, tornou,
contudo, a espécie mais prepotente. Costumamos dizer que “o sucesso
subiu pra cabeça”, que fulano “está com a cabeça erguida”, que sicrano
“não abaixa a crista por nada”.
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namaskara |
O ato de curvar-se em saudação, namaskara [namaskAra],
é um ato de humildade. A postura, cujo crânio toca o solo, é um treino
de humildade, de diminuição da arrogância intelectual. O altivo crânio
toca o mundano chão. Isso o põe numa dimensão mais humana e temporal, o
que leva (a meu ver) a reflexão sobre a duração da existência, por isso
é comum também o medo nessa postura.
Ser humilde e mortal provoca medo
e é um bom trabalho buscar o equilíbrio para ambos, a kapalasana pode ser uma opção para esse trabalho.
Importante:
Segundo Desikachar, é essencial que o yoga seja adaptado a cada um, viniyoga (yoga sUtra III.6). Para isso é importante, que para essa postura, que lida com aflições primordiais como medo da morte, abhinivesha [abhinivesha] (yoga sUtra
II.9), seja respeitado não só a preparação física de fortalecimento de
músculos, mas também a preparação psicológica para alcançar tal
postura.
Variações:
Iyengar chama essa postura de shalambashirshasana II
[sAlamba shIrSAsana] – a postura do suporte sobre a cabeça e faz parte
de um ciclo de posturas com o apoio sobre a cabeça, com inúmeras
variações.
Na tradição do Yoga Narayana, costumamos treinar primeiramente com
a postura chamada de delfim onde a posição da cabeça e das mãos são as
mesmas dessa versão, mas não se retira o pés do solo. Apenas, se
caminha em direção a cabeça, se retifica a coluna e assim se permanece.
Depois se pode treinar próximo a parede para ganhar confiança, que na
hora do equilíbrio serve de apoio. Há também a versão da kapalasana, cujo joelhos se apóiam sobre os braços, quando essa está dominada, completa-se a postura elevando as pernas.
Conforme a tradição, apóia-se a mão de uma maneira: uns deixam mãos de
forma que os dedos apontam para a cabeça, outros são os punhos que
apontam para cabeça, outros ainda os punhos apontam para cabeça mas as
mãos são voltadas para fora.
Fonte:
salambashirshasana [sAlamba shIrSAsana]
- Light on Yoga – B.K.S. Iyengar
- Coração do Yoga – T.K.V. Desikachar – Jaboticaba
Fonte histórica:
Segundo a Encyclopaedia of Tradicional Asanas – Dr. M. L. Gharote – Lonavla, kapalasana [kapalAsana] com as pernas elevadas e kuhi asana [kuhI Asana], cujas canelas os apóiam ao longo dos braços, aparecem num manuscrito do haThapradIpikA ou siddhAnta muktAvalI II.158 e II.129 respectivamente