04 outubro 2010

Suras e Asuras


Suras

por Flávia Venturoli de Miranda

    O maniqueísmo celestial começa com a separação de Luz e Escuridão, como seres de juízo de valores antagônicos. No livro do Dr. David Frawley, sobre o Mito da Invasão Ariana, ele demonstra claramente que na verdade se tratavam de povos aparentados que ora se aliavam e ora digladiavam entre si, assim, conforme as circunstâncias eram considerados povos do bem ou do mal, da luz ou da escuridão, segundo a conveniência.

    Sura [ ] é a luz, a claridade. Assim, Sura [ ], a Luz está associada a todos os luminosos 33 deuses védicos  (que serão descritos em uma postagem futura), mas também está associado, a apenas, aos 12 filhos do próprio Sol, conhecidos como dasha adityas, que são também integrantes dos 33 devas védicos.

    Sura [sUra] é o incitador, e dá origem a palavra Surya [sUrya], Sol, deus Sol. Sura, também, está associado ao suco extraído do soma, que é um incitador.

    Outra tradução para sura é um tipo de fogo, e por isso se diz que é filho de Tapas [ ], a austeridade que arde.

    O deus Visnhu [viSNu] que pertence a uma dinastia solar é também identificado com Sura.

    No dicionário sânscrito Monier Williams, elenca as possíveis origens da palavra:
        asura – escuro
        sita – luar, luz da lua cheia, luz cândida, luz pura, Vênus, Estrela D’Alva
        asita – preto, negro, Saturno
        svar – lustroso, brilhante, brilho do céu, celestial, divino


NOTA: O esplendor como única manifestação, não permite percebê-lo em sua majestade, pois não há contraste, Não há limites que são definidos pelas sombras e a obscuridade. Cega a vista e não define nada. Apenas é.


Bibliografia
FRAWLEY, David , THE MYTH OF ARYAN INVASION OF INDIA pgs 22 a 33, www.vedanet.com, American Institute of Vedic Studies
WILLIAMS Monier, SANKRIT-ENGLISH DICTIONARY, digital V1.5 beta

 

Asuras


por Flávia Venturoli de Miranda

    Asuras [ ] são os que não tem luz, são os escuros, a escuridão, ausência de luz, noite, para os povos védicos. Por extensão e derivação, os asuras são os não divinos, e posteriormente são os demônios.

    No livro do Dr. Frawley1, deixa claro que não se trata de escuros de pele, como se pensava no passado, já que tantos os suras como os asuras são da mesma etnia, são povos aparentados. Assim resta o fato, de haverem guerras entre povos que se consideravam luminosos e “do bem”, tendo os outros obviamente como o “do mal”. Temos os aryas [ ] versus dasyus [ ]. Os senhores versus os bárbaros. Óbvio que os devas estão associados aos aryas e os dasyus aos asuras. Nisso inclui, não só as guerras territoriais entre reis, como também, as lutas entre as crenças e lideranças sacerdotais.

    Segundo Frawley, vê-se que todos têm uma mesma origem, mas os perdedores ou estrangeiros são identificados como asuras. Eliade3, diz a mesma coisa ao se referir ao profano,  quando fala que o sagrado é o nosso mundo, o profano é o que está fora do nosso mundo, e lá é onde vivem os demônios”. Na própria psicologia, temos o inconsciente, a sombra, etc, como algo assustador e perigoso, que luta contra o lado luminoso de si mesmo para se manifestar. Campbell4, diz que, nas estampagem da infância, se cria animicamente monstros que justificam os medos e os eventuais afastamentos da fonte de toda segurança, a mãe (ou do pai). Assim temos nossas sombras, monstros, demônios, adversários, terroristas. gringos e afins. São tanto psicológicos, como mitológicos, reais e circunstanciais.

    Entre os asuras, há tantos deuses como sábios videntes, rishis [RRiS]. Posteriormente, mesmo esses passam a serem considerados divinos e se “esquece” suas origens asuras. O chefe supremo dos asuras é a poderosa escuridão primordial, onde “não havia existência, nem não existência 2, personificado pelo deus Varuna [varuNa] (mais tarde será associado ao insondável oceano), que é ao mesmo tempo listado como um aditya (um ser solar) Outro asura é Kubera, deus da prosperidade. Entre os rishisBhrigu [bhRRigu] e seus descendentes.

    Quando um determinado povo se dividiu e foi para Índia, os devas ou suras passaram a ser divinos para esse aryas, nobres senhores. Quanto a outra metade partiu para o Irã, os asuras, tomaram o nome de ahuras e esses passaram a ser os divinos para os aryas deste local; enquanto os daevas é que eram os demônios. Esses criaram a partir das Avestas (Vedas) a religião chamada Zoastrismo. Assim, o Asura Varuna tem um significado muito próximo de  Ahura Mazda, dos primórdios dos asvestas.5

    Entre os asuras posteriores, temos como classe demoníaca os rakshasas e os daityas, que veremos posteriormente. Classes de religiões que foram absorvidas pela a religião que venceu. Entre esses deuses-demoníacos hás os nagas [nAga], as serpentes (lembre-se que Patañjali é um nagaraja [nAgarAja], uma serpente real), as shaktis [shakti], as energias primordiais, os gandharvas, os apsaras [Apsara] etc, que são incorporados como subclasses inferiores a nova classe dominante de deuses.


NOTA: A escuridão é o caos primordial, é o desconhecido, é o indefinido por não haver luz que o contraponha. Não permite ver. Apenas é.


Bibliografia
1. FRAWLEY, David , The Myth Of Aryan Invasion Of India pgs 22 a 33, www.vedanet.com, American Institute of Vedic Studies, tradução de trechos por Flávia Venturoli de Miranda
3. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
4. CAMPBELL, Joseph, As Mascaras de Deus – Mitologia Primitiva.  8º ed, São Paulo: Palas Athena, 2010.
5. TARAPOREWALA I.J.S., Zoroastrianism - Abstracted from : The religion of Zarathushtra, Madras, 1926, in http://www.farvardyn.com/zoroaster.php
WILLIAMS Monier, Sankrit-English Dictionary, digital V1.5 beta


18 setembro 2010

Hinduísmo e Filosofias da Índia - Palestra



 O que é o Hinduísmo? Quais são suas religiões? Quais são suas filosofias?
    
     Vamos conhecer um pouco da vasta cultura indiana. As origens do Hinduísmo e suas religiões. O Hinduísmo monoteísta e politeísta.
     Quem é Brahman, quem são Vishnu, Shiva, Lakshmi, Kali. O que é o Om? Como se inserem no contesto indiano os conceitos de karma, dharma, moksha.
     As principais filosofias da Índia. A filosofia e a prática filosófica. A relação do Yoga e a religião. Quais as visões indianas dos chakras, asanas, meditação, mantras e mandalas.
     Durante cerca de 3 horas, vamos conversar, conhecer e esclarecer sobre a Índia suas filosofias e religiões.

Local:
Núcleo SaberSer – Terapias e Estudos da Consciência
Rua Dona Eponina Afonseca, 130 – Chác. Sto. Antônio

Data:
Sábado, 16 de outubro de 2010
15 horas

Palestrante:
Flávia Venturoli de Miranda
Começou a dar aulas de Yoga em 1992. É formada pelo Curso de Formação de Professores de Yoga do Centro de Estudos de Yoga Narayana, onde leciona atualmente em diversas disciplinas filosóficas e práticas.
Recebeu o título de Kushalanayakah (Professor Competente) e o certificado do Curso de Especialização em Yoga pelo Colegiado de Yoga do Brasil Dharmaparishad, do qual foi vice-presidente e onde lecionou vários textos clássicos de Yoga.
Participou de cursos de Yoga com a família Desikachar e workshops com Master Ji Viswanatha e Fatherji Joe Pereira.
Em 2006, abriu no Ipiranga sua escola Mahavidya Yoga.
É pesquisadora de textos clássicos e das deusas indianas sobre as quais dá palestras. Escreveu alguns livretos e fez a tradução do Shiva Samhita no livro "A Escola dos Nathas e as Origens do Hatha Yoga" da Tantrayana Editora e de outros textos ainda não publicados.
É papeleira e leciona no Ateliê Oficina FWM de Artes.


07 setembro 2010

Yantra e o Espaço Sagrado



por Flávia Venturoli de Miranda

‘A profunda nostalgia do homem religioso
é habitar ummundo divino”,
ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”...’[i]


Shri Yantra

Yantra [ ] é um tema complexo pela variedade de maneiras e situações em que é usado. Há quem diga que yantra é formado por
yam = segurar, reter (como em yama = conter-se) +
tra = proteger, instrumento
Gosto de traduzir como
Yantra é a maquininha que contém a mente e a protege.
Yantra-s são instrumentos, aparatos, máquinas, engenhos de meditação, culto, proteção, magia, alquimia e tecnologia. Podem ser desenhos, símbolos, diagramas, cosmogramas (de devoção, que representam uma divindade), dispositivos, objetos (de alquimia, amuletos), instrumentos (cirúrgicos), máquinas (maquina voadora, robô) e construções (templos).

Execução do Yantra
Yantra Númerico
Yantra Vidhimadhyayam - Instrumentos Cirúrgicos
Shri Hanuman Yantra
Templo Shri Yantra 

O yantra atua no mundo das formas {rUpa} e tem sua contrapartida nominal {nAma} como mantra. O yantra é a representação visual do mantra e o mantra vivifica o yantra. O mundo é a manifestação da divindade, Brahman Saguna [brahman saguNa]. Assim como se diz da luz, que é tanto onda como partícula, essa manifestação assume um nome e uma forma. O par nama/rupa é recorrente no tantrismo.


Nama surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna [brahman nirguNa], primeiramente como vibração primordial {spanda}, que, quando tangível, é percebida como Om, o pranava [praNava].

ouça B.K. Iyengar entoando o
pranava - OM

Desse som primordial deriva todos os sons, que formam palavras, que são percebidas como coisas, que recebem nomes que as identificam.

Om e todas letras sânscritas
Rupa, por sua vez, surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como uma marca virtual {bindu avyakta}, que quando tangível, é percebido como ponto {bindu vyakta}.
Brahman como ponto
Dessa marca virtual deriva tudo o que tem forma, que é percebido como objeto, que recebe nome que os identifica. Em outras palavras, tudo o que tem nome, tem forma, isto é, na forma contém seu próprio nome e propósito {artha}. Assim a significação mental divinaforma aos nomes, e nomeia as formas manifestadas. Com o nomes e formas, o mundo é criado.

Yantra + Mantra de Katyayani
para o amor entre casais
Assim o par mantra/yantra faz parte de muitos rituais místicos, religiosos e simbólicos mundo a fora. Do profano ao sagrado, o som e a forma, andam juntos, interagem, se completam e se destroem.

Há a grafia musical (com notas, ritmos, escalas),

Projeto Beethoven - Transposição Sinfônica IX
de Walter Miranda,
há os pontos e cantos do candomblé,

Oxalá - ponto riscado
Oxalá - canto
há outros símbolos religiosos:

Judaíco

Islmânico
Crescente Islâmico
nama + rupa
Allah-Allah-Allah, Sufi chant (Zikhr) by Oruç Güvenç & Tümata

Cristão
Cruz de Cristo
Kyrie Eleyson, Maronite-Christian chant by Sarband & Osnabrücker Jugendchor
como a Cruz, que está associada com a imagem de Cristo e ao Pai Nosso

há as ciências com demonstrações gráficas das ondas de luz e de sons,

Luz é Dual, é onda e é particula.
ou mesmo a demonstração física de formas criadas por um líquido ou pó sobre um alto-falante com diferentes sons (veja vídeo),

ressonâncias capazes de destruir uma ponte,

Ponte de Tacoma
destruida pela ressonância com o vento


há ultrassons que permitem observar órgão internos e fetos (veja vídeo).

Para nós, ocidentais, os mantras são mais conhecidos, porém a sabedoria dos yantra-s, como ferramenta de autoconhecimento, é praticamente ignorada. O que há, é o conhecimento estético das mandalas [maNDala] 

Bunny Mandala
e suas aplicações terapêuticas na psicologia, graças ao Jung (verdade dita seja). Porém mandalas são apenas uma parte do universo dos yantra-s.


Simbolismo da Mandala
Carl Jung
Nos yantra-s usa-se a energia da forma para a contemplação, meditação, proteção e aplicação. Cada forma invoca uma energia específica que produz uma reação na mente do observador. Brincamos de desenhar yantra-s e mandalas, mas a realidade é que para essa energia criativa fórmulas prescritas de execução e contemplação. Além do que, todos os tipos de expressões formais e dimensionais podem ser aplicados nos yantra-s. Tentarei explicar em textos futuros os vários tipos de yantra-s.
Mahavidya Yantra
Antes de escrever sobre os vários tipos de yantra-s e aplicações, alguns conceitos de espaço sagrado são importantes para o entendimento da simbologia dos yantra-s, e para desfrutarmelhor dessa sabedoria.

Espaço Sagrado
O espaço sacralizado é o lugar do rito, do mito, do mundo conhecido, de segurança, de um grupo e do indivíduo. Para Eliade [ii], há uma ruptura no espaço (e no tempo) quando se entra no domínio do sagrado. A mesma terra que pisamos, quando consagrada muda sua dimensão simbólica e qualitativa, por agregar o poder do divino (do mito). Por isso, mesmo um pequeno lugar sagrado (diminuto até) pode representar todo um universo, em suas várias dimensões. O espaço sagrado traz ordem ao caos, orienta, norteia, dá direção e sentido.
Oratório
obra de Walter Miranda
O Centro
O que antecede ao surgimento do mundo (mitológico ou real) é o obscuro, o desconhecido, a água insondável primordial, as trevas, o inominável e amorfo.  A instalação do sagrado no espaço organiza o caos e seu centro estabelece orientação. No espaço sagrado, o centro é a fundação do mundo. Uma frase do Mircea Eliade que gosto muito é: ‘“Nosso mundo” situa-se sempre no centro [iii], em outras palavras o espaço sagrado é o nosso domínio.
planta de Stonehenge
O centro é o vínculo, na terra, do início da manifestação divina. Esse local de criação divina é absoluto, fixado como referência do centro do mundo sagrado para a periferia profana. É a singularidade de onde a complexidade deriva. Assim, o centro é o primeiro elemento importante na geometria sagrada. O centro sagrado num espaço plano é o ponto. O ponto sagrado toma  forma de pedra, grão, lugar, ovo, semente. Quando a sacralização passa ao espaço corpóreo, o ponto é o umbigo, o coração, o chakra [cakra], marma [ ], sthana [ ], granthi [ ] etc.


Corpo é o Templo
O Eixo
Quando o centro do sagrado passa a ter 2 pontos, formando um linha, essa ligação cria o eixo central. O eixo conecta a terra com o céu, axis mundi [1]. Através do eixo se estabelece a comunicação com a divindade, é o fio condutor das súplicas e de recebimento das dádivas, além de também sustentar e alicerçar o Céu (a morada divina).
O eixo sagrado toma forma de fio, pilar, poste, árvore, montanha, escada, etc. o eixo corpóreo por excelência é a coluna vertebral e, no plano sutil, a sushumna nadi [suSumnA nADI].
O Centro Expandido, o Plano
O centro é a forte fonte do poder divino que ao expandir se multiplica, deriva, varia, diversifica, porém perde potência. O axis mundi irradia seu poder em todas as direções e estabelece uma área sagrada, constituindo objetos, seres, corpos, terrenos, templos, casas, cidades, países, mundos, submundos, cosmo. O imago mundi [2] é tanto o macro como o microcosmo. O universo é o macrocosmo, mas relativamente também é o país, a cidade, o templo. O microcosmo é o próprio corpo, mas também o é o grupo familiar, o clã, a comunidade.


Olho de Deus,
nome popular da nebulosa Helix
Às vezes, o centro expandido ganha contornos simbólicos bem definidos como o da árvore da vida, a vaca sagrada , o ovo dourado {hiraNyagarbha}, o homem cósmico {puruSa}, etc.

detalhe de Filhos de Gaia IV de Walter Miranda
óvulo como Hiranyagarbha

Deste modo, o cosmo se personifica e pode ser identificado em uma divindade: Jesus, Nossa Senhora, São Francisco, Zeus, Afrodite, Shiva, Vishnu, Hanuman, Kali [shiva, viSNu, hanuman, kAlI], etc.
Nascimento da Vênus, detalhe
Sandro Botticelli
Vida como Jogo Divino
Todos esses centros expandidos são os palcos onde a vida se dá. Somos o atman[3] [Atman] dentro do Paramatman [4] [paramAtman]. O cosmo é o grande jogo divino, mahalila [mahAlIlA], é [onde os desfrutes {bhoga} são vividos.  

Somos o atman, a centelha divina imóvel, no centro da roda do samsara [saMsAra], nos seus ciclos de nascimento-vida-morte-renascimento, de onde o yogi [yogI] busca libertar-se {mokSa}.


“É um yantra, que o devoto deve permitir que se revele á sua visão interior, para então concentra-se nele. Deve ser inspirado por seus aspectos significativos e perceber que estes desvelam a essência secreta, a verdade, a realidade esotérica da natureza do universo e do seu próprio ser.” Zimmer [iv]






[1] axis mundieixo do mundo
[2] imago mundimundo idealizado
[3] Atmanalma individual
[4] Paramatmanalma universal, Deus


Bibliografia
CRISTESCU, Horia e BOZARU, Dan. Introduction to Yantra, in http://sivasakti.net/articles/intro-yantra.html em 22/08/2010
MAGEE, Mike, tradução. Yantra and Pranapratishta, in  http://www.shivashakti.com/yantra.htm, em 22/08/2010

[i] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, pg 61, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[ii] ibidem pg 26
[iii] ibidem pg 42
[iv] ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia, 3ª reimpres, pg 161. Palas Athena, 2002.