de Flávia Venturoli Miranda
4 de junho de 2012.
Para meu irmão que me pediu essa explicação.
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Altivez do Soberano |
Buddhi, o intelecto, é o primeiro princípio da manifestação do mundo na filosofia
Sankhya. A
buddhi evolui do reflexo de
Purusha na
Prakrti.
Purusha é a luz da consciência, eternamente imutável, estático e resplandecente.
Prakrti é a substância primordial, a matéria da qual as coisas são feitas, é eterna e incônscio. Inicialmente,
Prakrti está imóvel com três qualidades (gunas) latentes que são perturbadas pela luz de
Purusha. Essas qualidades se desequilibram e
Prakrti começa suas mutações transitórias. Os
gunas são: a qualidade estática luminosa da leveza que é prazerosa,
sattva; a qualidade móvel da agitação que é dolorosa,
rajas; e a qualidade estática pesada do obscurecimento que é intoxicante e limitante,
tamas. As três qualidades são passadas para toda a manifestação, porém em proporções diversas.
Há inúmeros
Purushas a se refletirem em uma única
Prakrti. Contudo, cada um desses reflexos faz com que a única
Prakåti, por ser qualificável, se desdobre em muitas partes, fazendo surgir uma profusão de formas. Desse modo,
Puruña torna-se um expectador da
Prakrti, esquecendo que na verdade é seu próprio reflexo que fez surgir o mundo.
Budh, despertar, é o radical de
buddhi que, por sua vez, significa intelecto, sábio, razão, discernimento. Segundo o
Sankhya, a
buddhi é definida como percepção (
khyati) e apreensão (
adhyavasaya). Essa é a primeira manifestação e, como todas as demais, possui os três
gunas.
Rajas faz com que
buddhi tenda para
sattva ou para
tamas.
Segundo o sábio
Ishvara Krshna, quando
buddhi tende a
sattva; ou seja, quando o intelecto está leve, brilhante e puro; tem a disposição da virtude (
dharma), sabedoria (
jñana), desapego (
viraga) e soberania (
aishvarya). Quando
buddhi tende a
tamas; ou
seja, quando o intelecto está pesado, entorpecido, obscurecido e
limitado; tem a disposição do vício, ignorância, apego e fraqueza.
Assim,
a natureza do intelecto tranquilo é a soberania. A soberania é ser
senhor de Si. Ser o controlador e administrador dos seus desejos. O
poder nato da autoridade, responsabilidade, o domínio sobre Si. As
atitudes nobres e supremas brotam: sabedoria, desapego e ética. O
intelecto altivo é estável e sua natureza transluz. Aqui a imobilidade é
o desfrute do prazer.
Sattva subjuga
rajas e
tamas.
É
interessante notar que a mobilização interna se faz necessária para
que essas qualidades do intelecto se manifestem, caso contrário ocorre a
entropia. O peso da letargia obscurece, limita, entorpece e emburrece a
Si mesmo. Aquele que é naturalmente desperto,
buddhi, passa a
ser irresponsável, torpe, nefasto, sujeito a fraqueza de Si. É
subjugado pela própria impureza intelectual. O “Si mesmo” se identifica com essas qualidades e a escuridão o leva a paralisia. Aqui
a imobilidade torna o intelecto uma âncora em um lodo de aflições (
kleshas).
A tendência (
vasana) à luz ou escuridão é ditada pelas ações (
karmas). As ações levam a hábitos (
samskaras) que tendem a se repetir continuamente de forma inconsciente. Por isso, para quebrar esse ciclo de sofrimento (
sansara), advindo da queda livre no buraco escuro do intelecto, é necessário mobilização interna.
No
Yoga Sutra,
o sábio Patañjali diz que a dispersão mental produz e é produzida por
obstáculos limitadores: doença, procrastinação, dúvida, negligência,
preguiça, desinteresse, confusão, não realização e instabilidade. Que
por sua fez produz sofrimento, melancolia, agitação física e mental e
respirações difíceis. Patañjali dá várias indicações para o
apaziguamento em uma mente focada: exercitar o foco em um único
assunto, mudança de atitude com os outros, controle respiratório,
desapego, meditação, entre outros. O exercício da troca do que é
“tamásico” pelo “sáttvico” retém essas qualidades na intuição e na
memória, para isso deve-se crer na prática feita com afinco, que leva a
um enfraquecimento das tendências corrompidas. Então, a prática deve
ser executada com desapego, sem contar com resultados, mas acreditar
que eles ocorrerão, desse modo a soberania do intelecto é assegurada e
conservada.
Assim, com o intelecto tranquilo e a mente quieta, o resplendor de Si mesmo se faz notar.