Trecho adaptado do livro Yoga Vasishtha
por Flavia Venturoli Miranda
Em uma pequena parte de uma
Grande Floresta de grande ilusão, assustadora de ser vista e fonte de amarga
dor, viveu um pessoa (purusha) com inúmeros olhos e mãos. Ele tinha uma
mente que voava para todos os lugares. Tinha a forma do imenso espaço.
Ele continuamente se
flagelava usando vários gravetos que enfincava rapidamente em si e então
gritava com uma dor lancinante. Isso o fazia correr em diferentes direções sem
qualquer controle de si mesmo. Lançava-se contra os objetos em um breu total. Caia
em um poço profundo e desolador. Ali preso, supria com dificuldades uma vida de
misérias. Depois emergindo do poço, voltou a acoitar seu corpo e berrava,
movendo-se sobre os joelhos sem descanso. Na sua impetuosa pressa, se enredava
em grandes espinheiras e perfurava todo o corpo, contorcia como uma traça na
chama. Então, corria até um jardim de bananeiras, em que alcançava o outro extremo,
a intensa alegria. Muitas vezes, ele foi deste jardim de prazeres para a
floresta espinhosa, e outra tantas vezes caia no poço e voltava de novo, não achando
prazer em nada.
Ao vê-lo assim por tantas
vezes enrolado vertiginosamente, o deus Brahma usou seu poder para libertá-lo
do medo e perguntou: Quem é você que tanto geme de dor? O que é você nesse seu
lugar? E qual é sua intenção?
A pessoa, então, respondeu:
Todas
as pessoas que tem o conceito do Eu (e de outras diferenças) não existe para
mim. Não fui capaz de encontrar nenhuma ação para eu executar neste mundo. Sou
bem sofrido pelas diversas diferenciações arranjadas por você. Você é meu
inimigo, embora seja insignificante. É somente através de você que eu me
identifico com a dor e prazer os quais tenho sofrido.
Disse isso e examinou seu próprio
corpo. Seu coração começou a se comover e ele chorou alto. Desistindo por um
tempo de seu pranto alto, ele novamente lançou seus olhos sobre esta bela forma
e gargalhou alto por um tempo, quase rompendo sua barriga. Então, diante do
deus Brahma, ele se libertou desse vários corpos grosseiros que havia assumido
(nos seus muitos nascimentos).
Através da força do pesado
destino, outra pessoa nasceu em outro ponto. Ele apareceu em um estado similar
a aquele do outro individuo e se acoitou. Quando o deus Brahma foi consolá-lo,
este caminhante passou adiante e desistiu daquele corpo.
Novamente ele veio em outro
aspecto, e nesta vida ele caiu dentro de um poço profundo. Não foi visto sair
do poço por um longo tempo.
Então, ele apareceu nesta
floresta sempre desassossegada, nesta pessoa de um formato ou de outro que,
embora, fosse um, contido no seu caminho e de ter conhecido a estrada do
conhecimento verdadeiro, rejeitou o conselho de Brahma e ainda persistiu em seu
curso obstinado de auto-açoitamento.
Essa pessoa feroz ainda existe,
desfigurada por grande dor, vivendo nessa floresta terrível cheia de espinhos
pontiagudos e coberto de uma densa treva capaz de por medo em todos os
corações. Contudo aquele que é sábio deve, mesmo no meio de uma floresta em
chamas, se alegrar de estar nela como um jardim de flores refrescantes com
rufadas de aromas doces.
Rama pede que Vasishtha
explique o significado desta história:
1.
A Floresta
interminável é o samsara (existência mundana) que é destituída de
começo, meio e fim, é maya (ilusão) e é horrível e repleta com
inumeráveis vikalpas (fantasias).
2.
Purusha (pessoa) reside nesta floresta de um universo, ele é cheio
de iras terríveis e isso leva à mente se
enredar na dor.
3.
Aquele que se
verificou a passagem impetuosa da mente representa a discriminação.
4.
A mente que
atingiu através de sua oposição, discriminação, o estado de quietude de
Parabrahman.
5.
Primeiramente a
mente foge da discriminação e por isso se enreda nas vasanas dos
objetos.
6.
O poço a onde os
egos afundam depois da maceração de seus corpos é naraka (inferno)
7.
O bananal
simboliza o svargaloka (céu) cheio de prazeres.
8.
A floresta de
árvores cheias de espinhos é o bhuloka (terra).
9.
O personagem que,
depois de cair dentro do poço, não era capaz de erguer-se dali e por um longo
período leva a mente a não se livrar dos erros.
10.
Os espinhos
longos e pontudos representam os homens e as mulheres neste mundo, cheio de
paixões.
11.
As palavras: “Você
é meu inimigo embora insignificante e É apenas por você que eu me identifico
com dor e prazer as quais me fazem sofrer.” são os afloramentos da mente em
seus últimos suspiros para a morte através da discriminação.
12.
O choro é
disparado quando os desejos são caçados para serem aniquilados.
13.
O lamento e
pedidos de ajuda resultam da dor que a mente com Jnana meio desenvolvido
sente quando renuncia aos desejos.
14.
O final, calmo e
feliz e a subsequente gargalhada é a felicidade que brota da mente se fundindo
no puro Jnana.
15.
E a felicidade
real é aquela que brota quando a mente se despe de todos os desejos através do
eterno Jnana, e destrói sua forma sutil.
16.
O refreamento da
mente através da força extrema refere-se a concentração dela através da
iniciação no Jnana.
17.
O açoite do corpo
refere-se a dor causada pela extrema concepção errônea da mente.
18.
A peregrinação da
pessoa põe entre um vasto campo é o vaguear no mundo, inconsciente da
Realidade, que pode ser atingida somente através do domínio das perecíveis vasanas.
Disse Vasishtha a Rama de
mente clara: Assim é que todos os samkalpas e vasanas que um
homem gera enredam-o como numa teia. Todos se tornam sujeitos às amarras
através de seus próprios samkalpas e vasanas, como um
bicho-da-seda no seu casulo. Sondou dentro de sua mente através de sua mente
imaculada e peneirou-a Satisfatoriamente, que você possa destruir sua mente
impura.
Glossário:
bhuloka - terra
Brahma – deus, absoluto (qualificado)
jnana – conhecimento, neste contesto
se refere ao conhecimento real inato da alma
maya – ilusão
naraka - inferno
Parabrahman – Deus supremo, Absoluto
purusha - personagem, pessoa
samkalpa – pensamentos e desejos
materializados
samsara - existência mundana
svargaloka - céu
vasana – intenção, desejos latente inconsciente
vikalpa – fantasia, imaginação