de Flávia Venturoli Miranda
fev/2017
Yoga tem como objetivo aquietar a mente e buscar o
autoconhecimento libertador. A tradição cultural milenar do yoga usa
incontáveis ferramentas para atingir esse objetivo, a saber: meditação,
filosofia, fé, ética, estudo, dieta, controle respiratório, ceticismo,
assentamento físico, higienização, canto, prece, voluntariado, ascetismo,
jejum, relaxamento, peregrinação, retiro, etc. Não é possível limitar a
descrição das atividades do yoga como apenas fisioterápica, nutricional,
educação física, psicológica, filosófica, medicinal.
O trabalho do professor de yoga não é sintético, nem tão
pouco analítico, contudo é prático. Precisa de tato para lidar com as
inquietudes, incertezas e, ainda sim, não ser dogmático e sentencioso para com
o aluno. Esse ofício envolve relacionamento e pesquisa. Afinal, o que traz paz
a uma pessoa, não percorre o mesmo caminho para outro. É preciso lidar com as
emoções, intuição, percepção, compaixão, sem misticismos e pregações. Conversão
é imposição. Professar o yoga é ter
realizado em si o que a experiência dessa filosofia pode trazer ao outro. Yoga
é um convite a um processo de autoconhecimento e nunca uma doutrinação. A
sensibilidade de dar aula vem com a experiência em fazê-lo.
Sim. Professor de yoga ganha dinheiro. Como também paga pelo
seu alimento, moradia, lazer e continuidade de seus estudos. Todo aquele que
trabalha deve ser “valorizado” e respeitado. Crime é ser hipócrita quanto a
renumeração.
Em nosso país, ter título impressiona, por isso é tão
autoestimado ser Senhor de Engenho, Doutor, Mestre, Bacharel, Diplomado,
“Você-sabe-com-quem-você-está-falando”, “Otoridade” e Medalhão (leia Machado de
Assis). Dar uma “carteirada” vale mais do que ser o trabalhador com saber
empírico do ofício e o quanto ele estudou realmente. O estudo em cursos
profissionais auxilia, mas o diploma não garante o conhecimento. E o título,
então? Aprender é preciso, estudar é indispensável, praticar é fundamental. Título
é uma designação em um papel, tão somente.
A epidemia de regulamentação profissional assola o país. Por
um lado, os políticos querendo votos e criando nichos de eleitores com
promessas de soluções mágicas para trabalhadores. Por outro, as zilhões de
profissões que querem o reconhecimento. Por outro, instituições querendo
reservar o mercado, diminuir a demanda de profissionais e aumentar o valor do
serviço, passando uma pseudo garantia de qualidade ao público através de cursos
profissionalizantes rasos que apenas diplomam. Por fim, vêm as autarquias, ou
seja, os conselhos profissionais, querendo tributar a licença e policiar.
Nas últimas décadas, com a perda do emprego, cresceu no país
os subempregos, com miríades de trabalho informal, autônomo e de “nanoempresário-individual”.
Com isso também apareceram oportunistas oferecendo segurança ao trabalhador e a
sociedade, ao custo módico da “alma-vendida”. A regulamentação profissional não
protege o publico, nem tão pouco os protege dos gananciosos conselhos
profissionais. A comodidade de esperar
que legislem “para o povo” faz com que os profissionais não participem de suas
entidades de classe, porque “vão resolver o problema pra nós”. A falta de
articulação (por descrença, desinteresse ou desconhecimento) da classe
trabalhadora, deixa aberta a porta para os ávidos arrancarem facilmente o
dinheiro dos tolos criando regras e impostos em seus conselhos profissionais.
Barra-se a entrada de trabalho pelo custo anual da licença de trabalho, sem que
isso reverta em melhoria do serviço para o publico e para o trabalhador.
O yoga está na moda há algumas décadas, o que fez aparecer
muitos projetos de lei querendo regulamentar e “aconselhar” a profissão.
Relaciono os projetos de lei que achei até agora. Desses 7, declaradamente 6
foram propostos por uma mesma instituição.
- PL 4282/2016, do Dep. Fed. Carlos Bezerra (PMDB, MT)
- PL 3.204/2012 do Dep. Fed. Eliseu Padilha (PMDB, RS)
- PL 2.548/2007 do Dep. Fed. Eliseu Padilha (PMDB, RS)
- PL 1.773/2007 do Dep. Fed. Edson Aparecido (PSDB, SP)
- PL 4.689/2001 do Dep. Fed. Aldo Rebelo (PCdoB, SP)
- PL 741/2001 do Dep. ALESP Alberto “Turco Loco” Hiar (PSDB) - estadual
- PL 708/1979 do Dep. Fed. Eloy Lenzi (PDT, RS);
É inconstitucional a excessiva regulamentação profissional
que incida em abuso de direito. O Livre Exercício Profissional é garantido pela
Constituição Federal 1988 Art. 5º XIII. Os casos especiais que requerem a
regulamentação ocorrem quando, por interesse público sobre os de grupos,
cria-se deveres sociais de proteção à coletividade. Ou seja, profissões que
possam causar sério dano social e que requerem conhecimentos técnicos e
científicos avançados.
A pluralidade do yoga, acumulada em mais de 2 milênios com
linhagens e tradições diversas, não é condensável em um conjunto de regras
fiscalizáveis.
Quem ganha com a legislação da profissão? A sociedade com
certeza não. A concorrência livre autorrestringe os maus profissionais, pois a
liberdade de escolha do consumidor retira do mercado os ineptos. Os monopólios
de diplomas e burocracias atendem especialmente à corrupção e ao corporativismo
(“criar dificuldade para vender facilidade”). A livre iniciativa e concorrência
abaixa o custo do serviço, oferece mais profissionais ao público e dá emprego a
quem realmente trabalha.
Há uma fantasia de que o yoga regulamentado abrirá frente de
trabalho em instituições privadas e públicas. Empresas tem o direito de
escolher os parâmetros para selecionar seus profissionais. Assim, podem
escolher um profissional de notório saber ao invés de um acadêmico (desde que
não haja impedimento legal e técnico). Se a qualificação desejada pela empresa
for de um lavador de carro com formação em universidade, não haverá
regulamentação de profissão que impedirá de fazê-lo diferente. Mesmo para as
profissões que requerem conhecimentos elaborados, há margem para empresas
selecionarem por infindáveis outros parâmetros como ter várias formações
acadêmicas, falar mais de um idioma, disponibilidade de viajar, ter habilitação
para dirigir etc.
Outros órgãos públicos tem como base a CBO – Classificação
Brasileira de Ocupações, que é por sua vez determinada pela CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas. Essa
última baseia-se na classificação da ONU – ISIC - International Standard
Industrial Classification of All Economic Activities, que
infelizmente classifica yoga como atividades de condicionamento físico. Seria
preciso mudar a classificação na ONU do ISIC para mudarmos a CNAE e a CBO, e
assim não sermos mais assediados. Ah.... yoga não consta da CBO.
Por isso, a regulamentação da profissão não protege o
professor de yoga quando a PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares do SUS (MS portaria 145 de 11/01/2017) decide que, para atender
a população em sessões de meditação é preciso ter uma das profissões escolhidas
e listadas naquela portaria. Aliás, apenas
as profissões com a classificação na CBO que podem atuar nessa portaria, por
exemplo: médico, dentista, farmacêutico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo,
visitador sanitário, etc etc etc.
As grandes agências regulamentadoras vêm crescendo os olhos
para o yoga, como fizeram com a acupuntura. Eles estão há meio século
legislando em causa própria. Os profissionais de yoga não tem experiência na
luta política de classe, por isso estamos apanhando feio nesse campo de
batalha. E não há dharma suficiente
para nos igualarmos a essas grandes organizações. Contudo podemos voltar à
premissa de reeditar o PL 1371/2007 da Dep. Fed. Alice Portugal que exclui o
yoga (e outros) da fiscalização do Conselho Federal e Regional de Educação
Física. Essa é uma batalha exequível.
É triste ver que o yoga está sendo mutilado no mundo todo,
com regulamentações legais, patente de asanas,
a sílaba sagrada Om, que vira marca registrada, dia do yoga personalizado de
falsos mestres, yoga olímpico. O ataque cultural é tão grande que a própria
Índia para defender seu patrimônio cultural, criou um “ministério do yoga”. O
Ministério de AYUSH – Ayurveda, Yoga & Naturopatia, Unani, Siddha e
Homoeopatia visa divulgar esses tratamentos, que lhe dão o nome, e proteger
essas tradições para que não se percam consumidas pela ganância estrangeira.
Contudo, os desdobramentos da burocracia levou a Índia a
criar o QCI – Quality Council of India com uma certificação voluntária de
profissionais de yoga, Scheme for Voluntary Certification of Yoga Professionals,
que é gerido pela IYA - Indian Yoga Association. Na verdade há tanto a
certificação profissional como a de escola de yoga.
A certificação de profissionais de yoga do ministério da
Índia visa promover uniformidade na implementação de PrCB – Personnel
Certificacion Bodies, e do NABCB – National Acrreditaion Board for
Certificarion Bodies com o ISO 17024 (no Brasil é o ABNT NBR ISO/IEC 17024:2013
- Avaliação da conformidade — Requisitos gerais para organismos que certificam
pessoas).
A certificação voluntária de profissional do yoga do
Ministério do AYUSH ainda está no começo. A exigência de conhecimentos práticos
e teóricos do yoga para prestar a prova é muito boa, mas não amplia o
suficiente a ponto de cobrir todas as tradições do yoga. Por enquanto, a IYA que aplica a avaliação,
só cobre 15 instituições de yoga (outras 15 estão em processo), o que
certamente não abrange todo espectro do yoga. Outra questão excrescente da
certificação são os níveis dos profissionais: instrutor, professor, mestre,
guru/acharya. A avaliação continua é interessante, mas a titulação não.
Enfim, no mundo todo, estão tentando adequar o yoga aos
novos tempos, enquanto eu continuo buscando a libertação do yoga livre.
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http://direitostrabalhistas.blogspot.com.br/2009/04/o-diploma-como-reserva-de-mercado.html
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=271
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1714
http://sindicalizi.com.br/blog/qual-a-diferenca-entre-sindicato-e-associacao-profissional/